Eu poderia ter escrito este artigo anteontem, para dedica-lo a esta efeméride, também poderia tê-lo feito ontem, mas não, não quis escrever nada com o mero intuito de preencher um artigo referente a uma data que muitos celebram com rosas e discursos de praxe; preferi pensar, preferi refletir no verdadeiro significado para hoje do Dia Internacional da Mulher.
Revi sim, alguns textos que escrevi no 'Etcetera - o blog humanista' há alguns anos atrás, um dos quais com a imagem de uma afegã a pedir esmola nas ruas de Kabul, outro referia a situação de meninas que sofreram a mutilação genital em pleno Século XXI, ainda assim, preferi pensar e meditar no profundo significado do dia das mulheres neste 8 de março de 2019, dia que já poucos hoje sabem, do quão fatídico foi, para 125 mulheres operárias que foram vitimas mortais de um incêndio numa fábrica têxtil no ano de 1857 nos Estados Unidos da América, mais precisamente em Nova York.
Todavia, a morte de inúmeras mulheres ao longo dos tempos, não se limitou aos incêndios de fábricas em más condições, muitas morrem no próprio lar, que na calada da noite tornou-se um inferno pela violência sofrida em silêncio. No dia 7 de março de 2019, Portugal teve o Dia de Luto Nacional contra a violência doméstica, no ano em que no período de dois meses e uma semana foram assassinadas 12 mulheres. Ainda que os números fossem outros, e que só fosse uma a vítima mortal, ainda assim seria um número elevado, porque a violência doméstica não pode ser contabilizada pelas mortes, mas sim por todas as vitimas que estão ainda vivas.
Quando eu era criança, sentia que havia diferenças entre meninos e meninas, homens e mulheres, mas com o passar da pureza da primeira idade, começamos a perceber que não se trata simplesmente de diferenças, mas sim de um sistema e de uma mentalidade. A primeira vez que comecei a ouvir falar que as mulheres auferem salários mais baixos do que os homens, precisamente num país em que a constituição impõe que para um trabalho igual, terá de haver um salário igual, faz com que saber dessa realidade torne-se algo chocante, sobretudo para quem a sente na pele.
Ao pensar e refletir sobre o significado e do que pode ser este dia, para além de uma gentileza de 'oferecer flores' a uma mulher, é imperioso refletir de facto que há uma violência contra as mulheres, e essa violência não se limita às quatro paredes do lar, onde algumas sucumbem; falo de uma violência de género que tem a raiz, na cultura ancestral, perpetua-se pela violência económica da desigualdade salarial e pela violência de uma justiça e de um poder politico que têm sido impotentes em mudar a situação.
Acredito de facto que, só quando as pessoas começarem a olhar para os outros, ou seja os seus semelhantes e forem capazes de ver em cada um deles a imagem de si mesmo, deverá também ser capazes de ver em cada mulher a imagem da sua mãe, da sua irmã, da sua esposa e da sua filha, só quando nos virmos como iguais na diferença e deixarmos de lado o que há de violento na nossa cultura, então poderemos celebrar com alegria o dia 8 de março de todos os anos que venham, mas para isso, é preciso saber que sociedade queremos a partir do dia 9 de março.
Dedico este texto a todas as mulheres, mas em particular à minha jovem filha Bia, que tem o futuro pela frente, mas também um mundo com os inúmeros desafios que pesam sobre as mulheres, não apenas pelas desigualdades salariais ou de oportunidades, mas acima de tudo pelas injustiças, um mundo no qual ser Mulher não é "pêra-doce".*
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*Pêra-doce: expressão idiomática portuguesa, que se utiliza para dizer que algo não é fácil.