segunda-feira, 26 de abril de 2021

A "Desobediência Civil" Versus a "Ordem"

Nas redes sociais, circula uma citação de incentivo à "Desobediência Civil" como sendo uma frase do ex-presidente de Portugal, o  General Ramalho Eanes, à primeira vista parece-me uma citação interessante, apesar de eu não concordar com o teor e até mesmo a ideia em si, até porque na verdade a frase é verdadeira mas a atribuição da autoria em causa é falsa, vejam abaixo:

"A desobediência civil não é o nosso problema. O nosso problema é a obediência civil. O nosso problema é que pessoas por todo o mundo têm obedecido às ordens de líderes e milhões têm morrido por causa dessa obediência. O nosso problema é que as pessoas são obedientes por todo o mundo face à pobreza, fome, estupidez, guerra e crueldade. O nosso problema é que as pessoas são obedientes enquanto as cadeias se enchem de pequenos ladrões e os grandes ladrões governam o país. É esse o nosso problema".

Ou seja, a citação acima é da autoria do historiador estadunidense Howard Zinn, que foi proferida numa conferência realizada em 1970 na Johns Hopskins University de Baltimore nos EUA, mas além disso, não creio verdadeiramente que Ramalho Eanes defenda essa ideia, pois se ele defendesse a desobediência civil, teria apoiado a intentona comunista do 25 de novembro de 1975. Por outras palavras, esta publicação, que circula no Facebook, revela-nos que as "Redes Sociais" são uma fonte de desinformação, contrainformação, e um perígo ideológico para pessoas pouco esclarecidas. 

Resta-me ainda dizer que oponho-me à ideia da "Desobediência Civil", salvo em situações graves como por exemplo, a de usurpação do poder. Defender a desobediência civil, sem um contexto que seja pertinente, é o mesmo que defender o fim da Constituição e da Ordem Pública. Ora, à primeira vista, só quem é e quem defende a substituição da Ordem Constitucional pela Anarquia, é que pode defender a desobediência civil em situação de normalidade. Portanto a Desobediência Civil é um ato de subversão claramente antidemocrático.

A Desobediência Civil é um dos instrumentos subversivos utilizados para a deterioração da ordem e para criar o caos que por sua vez, permite o surgimento das condições para o Golpe de Estado e a Revolução, foi o que se passou na Rússia com a revolução de 1917.

A desobediência civil é também um dos principais pilares da ideologia Anarquista, embora hajam muitos grupos e movimentos, totalmente diferentes entre si, que se intitulam anarquistas, mas a grosso modo colocam-se contra o sistema, a hierarquia estabelecida tanto do poder politico, como do poder económico e da organização social.

De acordo com o exposto acima, e relacionando ao ideal dos Anarquistas clássicos, que defendem um sistema politico baseado numa democracia direta, na auto-gestão das comunidades pequenas, e na co-gestão da economia comunitária, o que indica que em grande escala, é impossível um país inteiro estar organizado desta forma, ou até apenas uma região de um país, isto porque o ideal anarquista pretende a total supressão do Estado, da sua organização política, económica (com o fim do capitalismo e do liberalismo) mas também o fim do sistema jurídico, o que torna inviável a coesão social de toda uma nação, pois até mesmo a hierarquia militar desapareceria e com ela o sistema organizado de defesa.

Têm surgido por todo o mundo, algumas comunidades que se dizem anarquistas, e que têm uma organização baseada na Cogestão económica, e na gestão partilhada de famílias, que a meu ver, muito se assemelha à organização das comunidades indígenas, que foram amplamente estudadas pela antropologia brasileira dos irmãos Villas Boas, comunidades que todavia, apresentam a existência de uma hierarquia, através do chefe o cacique e do pajé, e que se organizam em algo que semanticamente muito se próxima ao termo de "comunismo naturalista", ou comunismo primitivo.

O conceito de "Anarquia", em regra geral, e de acordo com a etimologia da palavra, é a Não-Hierarquia, ou seja, é uma filosofia que nasce em primeiro lugar por Pierre Proudhom, e mais tarde foi reformulada pela Extrema-esquerda, pela mão de Mikail Bakunine, e que idealiza uma sociedade sem Estado, sem propriedade privada e sem nenhum tipo de organização hierárquica, social, económica, politica, cultural ou religiosa. A questão é: será possível uma sociedade assim, ou é uma Utopia?

Em teoria, a ideia apresenta uma grande resposta ao combate das desigualdades sociais, promove a justiça social, a solidariedade, e novas formas de cultura através da intervenção direta na gestão, da participação ativa e democrática, pois todos os membros da comunidade são responsáveis de igual modo pelas decisões a serem votadas. 

O outro lado da moeda, no meu entender, é que os ideólogos do Anarquismo Clássico, esquecem-se de dois aspetos importantes, primeiro se há a plena liberdade dos cidadãos em decidir sobre a sua vida e a vida da comunidade, os mesmos podem pôr em causa o sistema anarquista, aceitando menos liberdade em troca de mais segurança, que é o que se vê nos sistemas hierarquizados dos Estados Nacionais, segurança pública, proteção social, educação, etc. Mas além disso, esquecem-se dos aspetos relativos à natureza da personalidade humana, particularmente os negativos, como as sociopatias, entre outros distúrbios desviantes do comportamento social que necessitam de ser vigiados e controlados, ou ainda os casos de práticas criminosas, às quais devem ser aplicadas sanções aos infratores, aqui está o busílis da questão, a aplicação da justiça requer sempre uma ordem hierárquica, se não for por via da autoridade, será por via da experiência ou da idade, ou da competência de conhecimentos técnicos e jurídicos, logo, passa a existir uma hierarquia. E se há alguma forma ainda que rudimentar de hierarquia e ordem para manter o equilíbrio da comunidade, então, não estamos mais perante uma anarquia, mas sim um comunismo primário.

Outro fator importante é a diferença entre a Ordem e o Caos, digo isto porque, ainda que seja possível existir, uma comunidade anarquista, tal não será possível para toda uma cidade, como Braga, Porto, Lisboa, Campinas, Madrid ou São  Paulo, ou ainda qualquer uma que tenha acima de 100 mil habitantes por exemplo, e porque? Porque nesse caso a Democracia Direta e participativa que é um imperativo do sistema anarquista é inviável, em grandes cidades a democracia requer ser aplicada de forma representativa, ou seja, pela eleição de representantes (deputados) a uma Assembleia Legislativa (o Parlamento).

De outro modo, o que o ideal anarquista propõe é um bem-estar social, que só pode ser usufruído em comunidades muito pequenas, onde todos se conheçam, que estejam imbuídos pelo mesmo ideal e que lutem pelas mesmas causas, logo, não estamos perante uma sociedade pluralista mas igualitária, pelo menos no pensamento e nos ideais dos seus membros.

Vou dar um breve exemplo, para explicar melhor o conceito da Hierarquia dos Estados e dos Sistemas a ele associados: Observemos então que, da mesma maneira que a natureza é regida sob leis da física e da química, bem como a ordem que se sobrepõe sobre os astros, o sistema solar entre outros fenómenos astrais e naturais, assim é a sociedade, também obedece a uma ordem, é aliás a partir dessa observação que surgiu a SOCIOLOGIA, o estudo empírico da Organização Humana em Sociedade, que respeita a "leis" que determinam que um dado fenómeno repete-se no tempo e no espaço desde que se repitam as mesmas circunstâncias que causam o fenómeno. De igual modo, a ANTROPOLOGIA, estuda a relação do homem no seu habitat, e a produção de cultura a partir desse mesmo habitat; temos ainda a PSICOLOGIA que estuda os fenómenos psíquicos do ser-humano que se repetem em iguais circunstâncias e assim por diante, com outras diferentes ciências como a ECONOMIA, ou a HISTÓRIA, entre outras, o que indica que os fenómenos em sociedade obedecem a leis de cariz social, económico, psíquico, etc, e que os fenómenos naturais obedecem a leis de ordem física, química e biológica.

No entanto, tal não ocorre com a ideologia ANARQUISTA, que não se baseia em ciência, sendo uma mera IDEOLOGIA POLÍTICA baseada no pensamento  Filosófico dos seus fundadores, aliás, um dos fundadores do ideal Anarquista era um Filósofo considerado um Socialista Utópico, portanto a construção de uma sociedade inteiramente organizada de forma anarquista é uma Utopia, algo que se revela inviável dada a dimensão da população de grandes cidades e sobretudo das províncias ou países, ou seja, o que teríamos seria não a Ordem, mas o Caos, devido a que as relações humanas, que estão inseridas numa complexidade de fatores, tais como os económicos, políticos, sociais e até jurídicos que, por sua vez, requerem um poder organizado para poderem funcionar adequadamente e assim, promover eficazmente o bem-estar social, a segurança publica, a rede dos transportes públicos, o apoio na saúde, no desemprego e na velhice, e ainda, em situações de calamidades, pandemias, entre outras.

Portanto, todos os sistemas, sejam de ordem social ou natural, requerem a obediência a regras ou leis, mas no caso dos sistemas sociais, não será uma obediência cega e meramente servil a um poder autoritário, mas uma obediência por adesão, baseada na cidadania ativa, que defenda os valores e os princípios da ordem democrática, da defesa do pluralismo político e das liberdades fundamentais de convicção e crença, promovendo a ordem Constitucional e o fortalecimento dos órgãos de soberania em defesa dos interesses de todo o "Povo" que é em primeira instância o próprio Estado.

sábado, 24 de abril de 2021

25 de Abril - 47 Anos de Democracia

Amanhã é o feriado Nacional do 25 de Abril, a Revolução dos Cravos que em Portugal derrubou o Regime Fascista no ano de 1974, eu tinha então 9 anos, 5 meses e um dia.  Lembro-me perfeitamente bem daquele dia como se fosse hoje de manhã.

Quanto ao 1º de Maio de 1974, foi de facto o primeiro grande evento em Liberdade depois de 48 anos de Ditadura. O Povo saiu à Rua com cravos vermelhos e brancos, os vermelhos simbolizavam a revolução e a democracia e os brancos a Paz e o fim da Guerra Colonial.

Estava um dia lindo, ensolarado, e as pessoas estavam felizes, sentia-se no ar uma emoção contagiante, que também atingiu as crianças, mas claro, não tínhamos o mesmo entendimento dos adultos. Parecia que Portugal, que durante 48 anos fora cinzento, ou a preto e branco, passara a ser, de um dia para o outro, florido e a Cores, afinal estávamos na primavera em todos os sentidos. Assim, amanhã fazem 47 anos da Revolução dos Cravos, e daqui a 2 anos, ou seja em 2023, o nosso País já terá vivido mais tempo em democracia do que em ditadura.

Muitas foram as conquistas trazidas pela Revolução, como a política dos três D's apresentada na noite de 25 de Abril pela JSN Junta de Salvação Nacional: a Democratização, a Descolonização (embora tenha sido mal feita e tenha prejudicado imenso os colonos portugueses em África) e o terceiro D é o do Desenvolvimento, que como se esperava, não aconteceu de um dia para o outro, foi um processo traumático, lento e que acarretou ainda outras três tentativas de Golpes de Estado e intentonas, quer dos reacionários da Extrema-Direita, quer dos radicais da Extrema-Esquerda, tais como o 28 de setembro de 1974, o 11 de março de 1975 e por fim, a derradeira e última intentona comunista, o 25 de novembro de 1975.

Mas também amanhã comemora-se outra data de suma importância na História de Portugal, são as Eleições Constituintes do dia 25 de Abril de 1975, sendo as primeiras eleições livres através de um sufrágio universal, onde as mulheres, graças ao 25 de Abril de 1974, conquistaram o pleno direito ao voto. Vi a minha avó que aos 68 anos votou pela primeira vez em toda a sua vida; foi também dado o direito de voto aos analfabetos, e também os invisuais obtiveram o direito de poder votar.

No quadro institucional, Os partidos surgiam aos montes, eram vários, as ruas estavam repletas de cartazes coloridos, com símbolos ideológicos, a maioria de esquerda. Nas primeiras eleições constituintes, o Partido Socialista (PS) liderado por Mário Soares venceu, ainda que sem maioria absoluta, seguido do Partido Popular Democrático (PPD) liderado por Sá Carneiro, o Partido Comunista Português (PCP) de Álvaro Cunhal, o Centro Democrático Social (CDS) liderado por Freitas do Amaral, o Movimento Democrático Português (MDP/CDE), liderado por Francisco Pereira de Moura, e ainda a União Democrática e Popular (UDP), liderada pelo Major Mário Tomé, ao todo, seis partidos conseguiram eleger deputados à Assembleia Constituinte, que elaborou a constituição democrática que entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976, no mesmo dia em que foram realizadas as Primeiras Eleições Legislativas das quais emanou o I Governo Constitucional.

Mas o 25 de Abril trouxe também alguma incerteza, viveu-se um período conturbado e doloroso com a radicalização da Revolução no governo de Vasco Gonçalves, era então o "Verão Quente" do PREC (Período Revolucionário Em Curso) quando houve a caça às bruxas, com alguns linchamentos em praça publica contra pessoas que foram acusadas de terem sido "bufos" da PIDE/DGS (Polícia política do regime que fazia as persecuções, detenções e torturas na prisão, como a de Caxias) era a Polícia Internacional para a Defesa do Estado/Direção geral de Segurança. Mas houve mais ocorrências de conturbação e confrontos ideológicos que geraram o aumento de uma tensão política.

No entanto, não podemos esquecer que, faz-se necessário e é importante pensar e refletir sobre tudo isto, não basta comemorar Abril, é preciso saber para onde querermos ir como país e como povo, que desafios surgem hoje, saber também quais são os recursos que temos, para poder dar resposta às necessidades que são muitas, urge planear o futuro para as gerações vindouras e renovar dia após dia, a democracia, com justiça social e liberdade, mas também promover a projecção económica para gerar mais desenvolvimento, emprego e o ensino, a educação e a cultura, promovendo continuamente a qualidade de vida para todos, deixando de lado a batuta neoliberal que não tem trazido senão desigualdades e incerteza.

O Mundo Recebeu Portugal de Volta - Orgulhosamente Acolhidos

E o Mundo sorriu com Portugal no 25 de Abril de 1974, "Foi Bonita a Festa Pá" dizia o Chico Buarque de Holanda, numa música que compôs em homenagem ao 25 de Abril de 74. Fiquei todo arrepiado de emoção ao ver este vídeo do Chico. O 25 de Abril marcou a minha vida, foi devido ao 25 de Abril que mais tarde tivemos de sair de Portugal com a radicalização da revolução pela Esquerda comunista, acho que se não fosse o 25 de Abril, eu hoje seria outra pessoa.

O que o 25 de abril me ensina ainda hoje é que somos todos iguais, tanto para o bem como para o mal, somos humanos no sentido profundo desta palavra, temos em nós todas as paixões e desejos do mundo, e todas as forças que se digladiam e divergem, porque há interesses e modos de ver diferentes, e isso sentiu-se com muita intensidade, nas disputas políticas, nos atentados a partidos de Direita no Sul, e dos partidos de Esquerda no Norte, onde a Igreja influenciava o povo a votar à Direita, mas viu-se ainda com a ocupação de terras agrícolas e até de casas, bem como as tentativas que quase levaram Portugal à Guerra Civil em 1975, sem falar numa crise económica nacional agravada com a crise internacional do Petróleo de 1973, sem falar nos 500 mil colonos portugueses, praticamente expulsos de África, que vieram como refugiados, tendo perdido tudo nas ex-colónias, onde muitos nasceram, isto devido à negligência das autoridades portuguesas que praticamente abandonaram as colónias e os colonos, e assim vieram para a Metrópole praticamente sem nada, traumatizados e ao mesmo tempo indignados tiveram que recomeçar do zero, e ultrapassar o estigma do rótulo de "retornados".

Mas para comemorar hoje o 25 de Abril, é preciso comemorar também a Independência Nacional, daqui a 7 anos Portugal comemora 900 anos de existência como Nação soberana, e sem a continuidade da independência já não valerá a pena continuar comemorar o 25 de Abril. Uma nação é mais que um território e um nome, a nação começa por ser a identidade de um povo, da sua história, tradições e cultura que devem ser preservados e têm de ser valorizados.


 
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