quinta-feira, 31 de março de 2022

Teoria do Desemprego de Longa Duração














Compreender as Causas e Efeitos do Fenómeno

Autor: Filipe de Freitas Leal - Janeiro 2022
Trabalho da Disciplina de Teorias Sociológicas do Mestrado de Sociologia.
Recensão critica do livro: Uma História o Desemprego – Da antiguidade aos nossos dias’ da autoria de Yves Zobberman

Sumário:
1 - O Desemprego como ociosidade ao longo da História
2 – A Industrialização e o Surgimento do Desemprego
3 - O Desemprego de Longa Duração uma nova realidade
Conclusão
Bibliografia consultada

Introdução

O presente trabalho, tem como objetivo desenvolver os conceitos e as Teorias Sociológicas a serem aplicadas no “Projeto de Dissertação”, que por sua vez, está assente na proposta de investigação sobre o Desemprego de Longa Duração (DLD), em particular na população adulta, no que concerne à compreensão das causas e das consequências do fenómeno, tais como o empobrecimento e de Exclusão Social.

No sentido de prosseguir estes objetivos, que são o de estudar as teorias sociológicas sobre o tema, nomeadamente para o presente trabalho, obtive a orientação do docente, que me orientou a desenvolver uma recensão critica, e para tal indicou-me o livro ‘Uma História o Desemprego – Da antiguidade aos nossos dias’, obra de Yves Zobberman, autor francês nascido em 1953 em Paris, que experimentou na própria pele a situação de desemprego durante algum tempo; muito pouco é exposto sobre a biografia do autor, sabe-se que é formado em Relações Internacionais, sendo diplomata e adido para assuntos culturais e sociais, é também conferencista, e no livro que agora analisamos com uma recensão, Zoberman realizou um excelente trabalho de documentação histórica, bem como uma profunda análise social do desemprego e de inúmeras questões que estão associadas a este fenómeno social.  

Não poderia deixar de procurar também referências bibliográficas, que pudessem permitir uma comparação à realidade nacional, precisamente um livro de Ana Paula Marques, intitulado ‘Trajetórias Quebradas – A vivência do Desemprego de Longa Duração’, que vai também muito, ao encontro do que pretende ser o tema que irei desenvolver na dissertação deste mestrado, que é o Estudo do Desemprego de Longa Duração na população adulta na Freguesia de Moscavide em Loures; todavia, não limitei a bibliografia a este livro, procurei saber o que dizem outros autores sobre o tema em epígrafe.

Outros autores que foram consultados, ou que irei consultar melhor para a dissertação, permitiram uma maior visão de conjunto, e assim transformar este trabalho, num instrumento conceptual para a dissertação acima referida, e ir além no intuito de procurar contactos que em breve sejam importantes para entrevistas preparatórias e recolha de dados. Autores esses que sendo da sociologia, são de diferentes correntes sociológicas, como Zygmuntd Bauman, Anthony Giddens e por fim Richard Sennet.

O presente trabalho, está estruturado em três partes, a recensão do livro de Yves Zoberman, a contextualização da realidade portuguesa, e por fim uma conclusão. Pelo que espero poder ter ao longo deste trabalho, quer pela parte da análise histórica da obra de Zoberman, quer do Estudo empírico desenvolvido por Ana Paula Marques, e as obras conceituados sociólogos acima referidas, obter assim, uma clarificação sobre conceito e/ou conceitos de desemprego em particular do Desemprego de Longa Duração, que como o autor refere, é o desemprego típico da  Pós-modernidade, pela força das mudanças tecnológicas por um lado, e simultaneamente com a modificação dos modos de gestão numa economia globalizada e competitiva.

O que pude observar na análise primária dos livros utilizados, bem como na pesquisa de dados sobre o desemprego, obtidos em informação jornalística recente, é que, não se trata apenas do contingente de uma massa de desempregados que sobe, não é apenas o tempo de permanência nessa situação que aumenta, mas é também a situação da previdência social que vacila, e obriga a alterações legislativas para flexibilizar os contratos de trabalho, e simultaneamente o de tentar manter a sustentabilidade dos sistemas de Proteção Social (Zoberman 2015).

Palavras-Chave: Desemprego, Desempregados, Exclusão Social, Desemprego de Longa-duração, Empobrecimento e Envelhecimento.

1 – O Desemprego como ociosidade ao longo da história

Zobberman traz-nos no seu livro, logo na introdução, e de forma inequívoca, a informação de que o Desemprego sempre existiu, todavia, não havia o conceito social de desemprego, mas antes de ócio, e sempre com um significado negativo, mas vai mais longe, parte mesmo dos conceitos de trabalho a partir dos textos sagrados da traição judaico-cristã e que se cimentaram de forma perene na cultura europeia ocidental até aos dias de hoje.

Ainda na introdução, refere que o desemprego tal como o concebemos hoje foi criado a partir do fim do século XIX, tornando-o uma categoria associada à sociedade industrial, conceito esse que veio a permitir instrumentalizar o desemprego, que passara a ser também objeto de retórica política, bem como de politicas sociais para o mitigar, sobretudo a partir do Relatório Beveridge em 1942, que foi o marco de lançamento para o “Estado Providência” no Reino Unido, William Beveridge propôs um imposto para que com esse valor se pudesse amparar desde viúvas a órfãos, mas também tinha como foco a situação dos desempregados.

Foi a industrialização, que há mais de um século e meio, veio a nos permitir desenvolver o conceito de desemprego e de desempregado até então inexistente, mesmo que já existisse de facto, a ideia que de forma negativa estava associada a essa condição era a ociosidade, tal ideia permaneceu na mentalidade de várias épocas no passado até mesmo aos meados do século XX, o que por outras palavras pode-se aferir, que se trata de um constructo social (Demazière, 2008).

Zoberman refere que foi aliás a luta contra a ociosidade (o modo como eram vistos os desempregados, os inválidos e os judeus na Alemanha Nazi) que levou a que se escrevesse no portão de vários campos de concentração a frase: Arbeit macht frei, O trabalho liberta, mesmo que que trabalhos forçados se tratasse (a realidade dessa época e do seu ideal não ficará esquecida). 

A “Ociosidade” na visão Judaico-cristã

No primeiro capítulo, o autor revela no texto que a Torá judaica (equivalente aos cinco primeiros livros da Bíblia, denominados de Pentateuco pelos cristãos), começa por mostrar o Deus que trabalha, o Criador, que tendo trabalhado do primeiro dia até ao sexto dia da criação, descansa ao sétimo, consagrando o Sábado como dia de descanso obrigatório para todos. Em várias partes dos textos sagrados, o ócio é condenado e o trabalho valorizado, mas refere ainda a situação dos escravos hebreus no Egito, onde o texto da Torá condena veementemente a escravidão, e mostra o zelo que Deus tem para com o povo hebreu (Zoberman, 2011, 27-32pp). Os cristãos não ficaram atrás, na Carta de Tiago aos apóstolos, refere que o ócio (desemprego) é uma maldição que não pode ser aceite de nenhum modo.

Apesar de condenar-se o ócio, a solidariedade e a justiça social, estão presentes pela exortação da caridade para com os pobres ao longo de todo o texto bíblico, quer da Tanach judaica quer do  Novo Testamento cristão.

A Ociosidade na Antiguidade Greco-Romana

Na Grécia Antiga, a diferença de classes ricas e pobres, fazia-se através da distinção entre os donos das terras e os que nelas trabalhavam, tendo como modelo o movimento de redistribuição da riqueza pela posse de terras, a eliminação de dividas e a libertação de escravos, em meio a este triangulo socioeconómico de distribuição da riqueza encontravam-se os pobres (pessoas livres, mas sem posses e sem trabalho) que eram vistos como ociosos, visto que o conceito de desemprego não existia ainda. (Zoberman 2011, 37 pp)

Na Civilização romana, o ócio foi combatido veementemente, e aparece na obra de Hesíodo, em “Os Trabalhos e os Dias”, que exprime o receio da ociosidade para o homem, onde refere que a fome é sempre uma permanente companheira dos preguiçosos, e dá ênfase ao dizer que os deuses e os mortais odeiam os todos os que vivem na ociosidade e na preguiça, e o filósofo Aristóteles também critica o ócio, chegou a afirmar que o “labor” dos homens livre é diferente do labor dos escravos, porque não vive sob sujeição de outros (Zoberman, 38-39 pp), logo podemos aferir que na visão grega, mas também romana, como veremos a seguir, era o trabalho que é em si a condição de um homem livre, não o ócio.

A mendicidade é à semelhança do ócio um mal a combater na cultura greco-romana, sendo ambas fruto do que denominam a preguiça, a mendicidade era tida como um ócio voluntário, utilizado como profissão, modo de sobrevivência e ao mesmo tempo recusa em aceitar um trabalho digno, havia portanto uma visão da “utilidade social do homem pelo seu trabalho, (Zoberman 2011, 45 pp) por outras palavras, o trabalho como meio de serviço à comunidade, ao bem-comum. Em detrimento da ociosidade como egoísmo.

O texto de Zoberman, revela a peculiaridade do modo como a ociosidade foi vista, totalmente alienada de uma realidade socioeconómica da época, não obstante, a pouco e pouco surge a consciência de ajudar os que não tinham trabalho, surgem em primeiro lugar os “Donativos” na Grécia antiga, cujo termo era “evergentismo” e mais não era que um imposto dos ricos para a Cidade Estado, sendo sinal de autoridade política e tributária, não ainda de justiça social. Segue-se em Roma o exemplo de Caio Graco Séc. II AEC, em que reconhecem a importância de alimentar os pobres dando-lhe terras para cultivarem.  O autor frisa ainda o facto de que excluindo os escravos, cujo trabalho era impositivo sob ordens determinadas, tanto em Roma como no Império Romano, ignora-se ter havido ou não a possibilidade de obrigar ao trabalho a “plebe” (pessoas pobres e livres).

A Idade Média – Os Sem Ocupação

O autor, lembra-nos que após a queda do Império Romano pelas invasões bárbaras, a organização social faz-se através de um modo de vida rural, todavia, mantendo o Direito romano, tendo sido vincado o papel da Igreja na organização social nos campos. Surge no entanto, a designação pejorativa de “Os Sem Ocupação” em substituição ao termo antigo de “ociosos”, mas de igual forma uma preocupação a ser combatida, como se estar sem ocupação fosse por culpa própria e por mera opção.

Ainda na Idade média, surgiram nas paróquias inglesas os ‘Openfields’ (campos abertos) como um sistema de Terra Comum para, tal como bens comunais, para a produção agrícola para subsistência aos camponeses pobres, campos onde também se pastoreava o gado, e utilizar madeira das árvores para construir as suas habitações, e ainda o uso da turfa para o aquecimento. (Zoberman 2011, 51 pp), Em Inglaterra no tempo de Henrique III, surgem mais tarde os ‘enclosures’, que são os ‘cercamentos’ campos que foram divididos por cercas pelos lordes e cujo uso passou a ser exclusivamente privado, considerada uma forma moderna de agricultura, onde os campos e os carneiros eram explorados de modo intensivo, passando a ser este um princípio da lei consuetudinária inglesa voltada para o direito de propriedade privada.

A situação acima ilustrada, foi referida por Thomas More na sua obra “A  Utopia” em que ele criticava a situação, ao usar a imagem dos doces carneiros, que na verdade tornaram-se vorazes por cobrirem todo o solo de Inglaterra “devoram homens e despovoam os campos”, e o êxito de uma agricultura intensiva para a época, gerou uma enorme horda de agricultores errantes e “vagabundos”, traduzindo-se sem que eles soubessem em desempregados, só faltava o termo e o conceito, que é patente nos dias de hoje.

Chegados ao século XIV, na visita histórica das origens do Desemprego, surgem em toda a Europa as leis que tornam o ócio e a “vagabundagem” crimes de delito, juntamente com os ociosos, vagabundos, os pobres, os miseráveis, os sem-terra são terminologias que estão associadas e encaradas como sinónimos, visto que se trata de população de deserdados da terra que não pagam impostos, levando ao êxodo rural, migrando dos campos para as cidades, tornando as cidades verdadeiros recetáculos de miséria; Simultaneamente surgem em França no século XIV as leis que protegem os assalariados, e que visava pôr os pobres a laborar, para que assim sejam protegidos por quem os empregasse. (Zoberman 2011, 50 pp).

Foi ainda no século XIV em Inglaterra, com Eduardo II em 1388, que se criaram leis para os que não trabalham e até mesmo para os que deixam um posto de trabalho, para o qual teria que ser emitida uma autorização, denominada de “Carta de Guia” ideia que se manteve até ao século XIX com a “Carta Operária”, ou seja, os trabalhadores, não eram livres por si só para deixarem os seus trabalhos, necessitavam de um documento para não serem considerados “desocupados errantes” ou “vagabundos”.

A Caridade como combate à miséria dos Sem-ocupação

Segundo o autor, não existiu só a opressão e as injustiças ou imagens negativas dos ‘sem ocupação’, a Igreja teve um papel importante através da caridade, tal surgiu com a intensificação da agricultura e dos ‘enclosures’ que fizeram disparar nas cidades a população de pessoas sem trabalho, sem ocupação, levando ao aumento da precariedade de famílias inteiras. Sentiu-se a necessidade de saber o que fazer e como socorrer as vítimas, mas principalmente em situação de “ociosidade forçada”, a questão colocou-se cedo, e a resposta foi a Caridade cristã, vinda da virtude emblemática do povo judeu, onde a esmola é um dever sagrado (Zoberman 2011, 71 pp).

Para o protestantismo iniciado no século XVI, o homem é feito para trabalhar, o desemprego é reprovado como um mal, uma praga; não esqueçamos que é precisamente do protestantismo que nasce o capitalismo, logo a visão face aos sem-ocupação é diferente da moral católica, onde muitas ordens religiosas como os franciscanos, entre outras ordens mendicantes, que haviam sido criadas, precisamente para amparar os desvalidos, e lembra bem o autor, por outras palavras, que para São Francisco de Assis a pobreza era uma virtude no modo de ser e a caridade uma virtude no modo de agir. Lutero ao contrário do que fala em parte o Antigo Testamento judaico, no qual o trabalho pode ser também alienante, já os protestantes vêm no trabalho a virtude de criação de riqueza, (Zoberman 2011, 77pp).

Os descobrimentos e uma primeira globalização

Os descobrimentos iniciados com o século XV e XVI, trouxeram uma mudança de paradigma, permitindo a muitas pessoas emigrarem para o novo mundo, todavia a mobilidade geográfica não era fácil, as mobilidades profissionais e sociais eram ainda regidas pelas normas medievais,  o que faz disparar o número dos vagabundos, desvalidos e mendigos, e isso gera preocupação, a solução foi iniciar-se uma mudança de atitude, deixar de lado as normas antigas, iniciando-se uma nova forma de contratação entre homens livres, mas ao contrário a luta contra o desemprego foi reprimir os que não tinham trabalho. Tentara-se por cobro à situação, mas como não havia ainda a definição precisa de “desempregado”, todos eram tratados de igual modo como sendo a mesma coisa, os sem-ocupação, os vagabundos, aos mendigos, os chulos, as rameiras, os gatunos, eram para a autoridade sinónimos. Esta visão distorcida, leva as autoridades a tomarem os Trabalhos Forçados, e os Internamentos compulsivos, como forma de combater o ‘desemprego’, esse modo de pensar só viria a mudar séculos mais tarde, em França em 1699 foram criadas as Oficinas da Caridade, primeira política social de integração de populações inativas (Zoberman 2011, 98-102 pp).

Noto que ao visitarmos a viagem histórica pelo desemprego, desde os tempos bíblicos até aos século XVII e XVIII, embora o termo ainda não fosse existente, podemos sentir que estamos também a visitar a história do trabalho bem como dos aspetos ligados à cultura e mentalidade vigentes e à organização social económica referentes ao trabalho, passamos portanto para o nascimento do conceito de Desemprego.  

2 – A Industrialização e Surgimento do Desemprego

É nos finais do século XIX, que após o êxito da industrialização e da prosperidade das principais potencias europeias, surgira uma massa de pobres, afundados na marginalidade da exclusão social, Karl Marx fala no seu livro O Capital, de esse exército de reserva disponível (os sem-trabalho), que é usado pelos capitalistas, sendo o capital fixo o valor imobiliário e o financeiro aplicado pelo capitalista, e o capital variável a mão de obra precariamente contratualizada e mal paga.  Para Karl Marx trata-se de uma contradição do capitalismo, visto ser um desperdício de mão-de-obra e gerador de empobrecimento.

O termo de ‘Desempregado’ veio a surgir pela primeira vez, não na Alemanha de Marx que fora o berço das políticas sociais, mas em França e por força das estatísticas, devido a um recenseamento da população no ano de 1896, o inquérito usava o termo desempregado no sentido moderno que hoje temos.

Não obstante, Max Lazard, um sociólogo francês, estudou o desemprego, e reclama a falta de uma definição clara para o termo. Anos mais tarde as definições começaram a aparecer, dividindo-se o desemprego em categorias, ora há os desocupados por falta de emprego, ora os desocupados por falta de trabalho, em 1906 com a criação do Ministério do Trabalho em França, definem-se melhor os conceitos de desemprego por força das estatísticas (Zoberman 2011, 177 pp).

No entanto, não bastou que se definissem apenas o que é o desemprego e quem são os desempregados, cada vez mais, numa sociedade complexa, foi necessário estudar as diferentes situações de desemprego, em particular o Desemprego de Longa Duração (DLD), um tipo de desemprego que atinge também os profissionais formados, inteligentes e prontos para trabalhar, que há algumas décadas poderiam escolher com facilidade onde queriam trabalhar, hoje vêm-se numa situação de “relegados para um armazém dos necessitados sociais” tal como diz o autor. Passa-se a fazer parte de um exército de excedentes, prontos a serem utilizados ou não, de acoro com as conveniências o mercado de trabalho.

O Desemprego está intrinsecamente ligado ao capitalismo emergente na industrialização, mas a partir daí foi possível uma primeira definição ainda na introdução do livro em que diz: “o desemprego é o não-trabalho, (…) o não-emprego, mas não a inatividade, pois o desempregado é um ativo potencial”. Ou seja, o conceito atual de desempregado, é todo o individuo que se encontra sem trabalho mas que o procura de forma ativa, e isto faz desses indivíduos sem emprego, parte integrante da população ativa.

Por outro lado, também há, os indivíduos que não tendo trabalho, não estão mais ativos na procura de emprego, entre outros, um dos motivos pode estar relacionado a desistiram de procurar emprego. E a corroborar este conceito, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) faz a seguinte definição: “Considera-se “desempregado” o indivíduo com idade dos 15 aos 74 anos que, no período de referência, se encontrava simultaneamente nas seguintes situações: não tinha trabalho remunerado nem qualquer outro; tinha procurado ativamente um trabalho remunerado ou não ao longo de um período específico (no período de referência ou nas três semanas anteriores); estava disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não. (…)  Considera-se “inativo” o indivíduo que, independentemente da sua idade, no período de referência não podia ser considerado economicamente ativo, isto é, não estava empregado nem desempregado” (Zoberman, 2011, 18pp);

Não obstante, os conceitos que atras foram expostos, não impediram a continuidade de uma visão negativa sobre os desempregados, que além das dificuldades associadas encontram a permanente companhia da vergonha da sua situação entendida como “preguiça”, que foi com a industrialização condenada, à medida que permitiu promover o trabalho livre, face à escravatura e à servidão, assim, pôde-se definir os tempos de trabalho e não-trabalho, mas o fim do esclavagismo ou da servidão, não evitaram o desemprego (Zoberman, 2011, 20pp).

O desemprego foi definido de diferentes modos, por dois grandes economistas vejamos a visão do Neoliberal Milton Friedman: “A economia de um país, apresenta uma taxa de desemprego natural, associada ao ótimo estado de funcionamento da economia, formação de capital, inovações tecnológicas, mas que no caso de um salário mínimo elevado, os empresários não podem contratar o salário que querem, logo o mercado torna-se rígido, tendo um elevado desemprego, mas se ao contrário, o mercado for flexível, o desemprego é mínimo”.  Por outro lado John Meynard Keynes que indicava que se a procura de bens aumenta, consequentemente aumenta o nível de emprego.

Keyines estava certo, mas este modelo funcionou bem até há algumas décadas, após a globalização e a deslocalização de empresas para outros países, a procura aumentava, mas quem beneficiava eram os países para onde as indústrias se deslocaram. (o que permitiu a ascensão dos países asiáticos, tornando a China uma das maiores economias o mundo).

O aumento atual desemprego de massas, tem vindo a tornar-se cada vez mais preocupante, porque atinge uma vasta multidão de jovens que não chegam ao mercado de trabalho, e de inúmeros adultos que perdendo o emprego vivem numa situação de desemprego de longa e muito-longa duração, ou mesmo a possibilidade de muitos não conseguirem voltar a reverter a situação.

2– O Desemprego e Longa Duração uma nova realidade

Se por um lado Zoberman no seu livro, indica-nos que o Desemprego foi uma realidade ocultada até ao século XIX onde por força das circunstâncias da época foi imperioso uma mudança de paradigmas, e foi com das estatística em França e a criação o ministério do Trabalho, que surgiu o termo de ‘desempregado’ e ‘desemprego’. Por outro lado, a socióloga Ana Paula Marques, que estuda o desemprego, em especial o Desemprego de Longa Duração, fala-nos da invenção do desemprego, afirma no seu livro, que “é difícil analisar o desemprego, na medida em que os seus contornos sociais são cada vez mais invisíveis, nas estruturas sociais, nos estilos de vida e nas orientações normativas e simbólicas” (Marque 2016, 26 pp).

Refere a autora que corrobora o livro de Zoberman, ao dizer-nos que os estudos do desemprego são recentes, tenho surgido no século XX, não só com os estudos promovidos pelo ministério do Trabalho em França, mas também da criação da OIT em 1919, dentro da então Liga das Nações.

No que concerne às épocas mais recentes, a OCDE afirma que o desemprego é hoje maioritariamente de natureza estrutural, devido à rigidez do mercado de trabalho (Marques, 2009). Para tal, faz-se imperioso passar à tipificação atual do desemprego:

1) Desemprego Conjuntural - Caracteriza-se por ocorrer nas fases descendentes do ciclo económico, quando o Produto fica abaixo do nível de pleno emprego. (Mitange 2012)

2) Desemprego Estrutural – Resulta das transformações ocorridas na estrutura económica, ou seja, uma parte expressa os trabalhadores sem os requisitos técnicos ou educacionais necessários aos novos empregos (como por exemplo população que sai da zona rural para as zonas urbanas, ou empresas que adotam novas tecnologias ou mesmo métodos administrativos que requerem um certo nível de escolaridade). (Mitange 2012)

3) Desemprego Sazonal – este tipo de desemprego ocorre em função das variações no ritmo e na frequência da atividade económica em épocas típicas do ano, por exemplo época de colheita, em determinadas zonas, o emprego se expande para depois se contrair em períodos de cultivo por exemplo. Outro bom exemplo é em épocas festivas ou de turismo nas zonas urbanas. Esse facto diz-se sazonal pois repete-se todos os anos. 4) Desemprego Ficcional ou Natural – ocorre na transição de um tipo de emprego para outro. Quando um trabalhador perde o emprego, e não consegue encontrar outro imediatamente, diz-se que há uma “fricção”, a diferença entre o tempo de adaptação para um novo posto de trabalho (Mitange 2012).

Mário Centeno afirma que mesmo em situação de Pleno Emprego os economistas preveem a existência de desemprego, mas principalmente do desemprego estrutural, porque ainda que pareça contraditório, há na economia um processo de criação e destruição de emprego, com contratações e despedimentos simultâneos de trabalhadores.  Para Centeno, enquanto o desemprego ficcional não está associado a insuficiência de oferta de emprego, há por outro lado, o desajustamento da oferta de emprego no mercado de trabalho entre a oferta e a procura, para Mário Centeno, o desemprego estrutural e de longa duração (12 meses) ou de muito longa duração, acima dos 12 meses em diante, é uma eternização da situação. (Centeno 2013).

Voltando à questão do Desemprego de Longa Duração, que aliás, uma situação cada vez mais presente, pelo desemprego estrutural, e os desenvolvimentos tecnológicos entre outras causa; também e para além dos conceitos económicos sobre tipologia de desemprego, visitar a vivência por quem passa por uma situação de desemprego, que causa em quem vive nesta condição, o risco de dissociação dos laços sociais, imposto pela perda de um salário, um empobrecimento gradativo e progressivo na media em que avança no tempo, onde muitos dos que vivem neste contexto, passam por situações de estigma (pelo rótulo negativo de “desempregado”), ainda a somar-se a discriminação que alguns sentem, pela visão ainda negativa que paira sobre o desempregado, como culpado da sua situação. Neste sentido Ana Paula Marques corrobora o livro de Zoberman sobre a História o desemprego (Marques 2009).

2– Conclusão

A obra de Zoberman, aqui analisada, permitiu trazer um maior conhecimento sobre o desemprego, tanto no que toca ao aspeto histórico, indo aos primórdios dos tempos bíblicos aos nossos dias, analisando criticamente cada momento da história e da cultura que encarava os sem-ocupação, como os párias da sociedade, permitindo-nos desenvolver o nosso conhecimento no campo teórico-sociológico, abordando também aspetos económicos e políticos inerentes ao tema.

Sobressai no computo geral da leitura, que corrobora a ideia de que o Desemprego é um Constructo Social, como afirma Démaziere no seu estudo “Ser Desempregado para os Sociólogos”, mas ao mesmo tempo que houve um caminho a ser palmilhado na História que nos fez chegar ao conceito de Desemprego e Desempregado, há também a partir desta leitura, a ideia que há ainda muito a percorrer no intuito de mudar em termos de visão, não do desemprego em si, que é de cariz económico, mas fundamentalmente, a visão sobre o desempregado, como sendo um de nós, pela razão de que as sociedades atuais, herdaram muito da mentalidade e cultura negativa e estigmatizante sobre as pessoas em situação de desemprego, persistindo ainda a ideia de que há uma relação direta entre o desemprego e a criminalidade, a mendicância, a prostituição, o inútil ou o vagabundo e preguiçoso, que trazem consigo, a ideia de acarretar a culpa à própria pessoa em situação de desemprego, entre outras situações de exclusão, quando na verdade se por um lado se chegou ao termo (palavra) desempregado, muito ficou por mudar.

Tal como refere Ana Paula Marques, a sociologia tem vindo a desenvolver estudos sobre variados aspetos relacionados com o desemprego, nomeadamente o estigma, o rótulo, as consequências pessoais, psíquicas e até sociais do desemprego, em particular o de longa duração, tanto da população jovem que demora a entrar para o mercado de trabalho, como a população acima dos 45 anos, que ao perder o emprego, pode não voltar a conseguir empregar-se.

BIBLIOGRAFIA

Literatura consultada

CAMPOS, Rosana Soares (2017), O impacto das reformas económicas neoliberais na
América Latina: desemprego e pobreza
, Polis (Revista Online), nº 47 de 2017.
Acedido em 08/01/2021 em
https://journals.openedition.org/polis/12585.

CENTENO, Mário (2013), "O Trabalho, uma visão de Mercado", Lisboa – Editora FFMS.

DEMAZIÈRE, Didier (2008), "Ser desempregado para os sociólogos", Política & Sociedade nº 13 – outubro 2008, 109 pp Florianópolis SC Brasil, UFSC.

MARQUES, Ana Paula (2009), "Trajectórias Quebradas – A Vivência do Desemprego de Longa Duração", Santa Maria da Feira – Editora Profedições.

MARTINS, Raquel (2014) Troika deixa Portugal com uma taxa de emprego ao nível dos
anos 80
. in Jornal Público – publicado a 3 de maio de 2014. Acedido em 08 de janeiro
de 2021 em
https://www.publico.pt/2014/05/03/economia/noticia/troika-deixaportugal-uma-taxa-de-emprego-ao-nivel-dos-anos-80-1634447.

MITANGE, Iriana Patrícia (2012), "A Análise do Desemprego em Portugal", Lisboa – ISCTE.

SENNET, Richard (2009) A Corrosão do Caráter- consequências pessoais do trabalho
no novo capitalismo
. Rio de Janeiro, Editora Record, pp. 100

ZOBERMAN, Yves (2011), "Uma História do Desemprego – Da Antiguidade aos Nossos Dias", Lisboa – Editora Teodolito.


Autor do blog: Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, é licenciado em Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Políticas Públicas e Desigualdades Sociais, frequentou o Mestrado de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Estagiou com reinserção social de ex-reclusos e o apoio a famílias em vulnerabilidade social. É Bloguer desde 2007, tem publicados oito livros de temas muito diversos, desde a Poesia até à Política.

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