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quinta-feira, 31 de março de 2022

As Políticas Neoliberais e o desemprego












Autor: Filipe de Freitas Leal - Janeiro 2021
Trabalho da Disciplina de Problemas Sociais e Problemáticas Sociológicas do Mestrado de Sociologia da FCSH - UNL. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da  Universidade Nova de Lisboa..

Introdução

Neste estudo, o que se pretende é focar na problemática sociológica do “Desemprego” na atualidade, tendo como causa ou origem as políticas públicas neoliberais e as reformas à legislação laboral que por todo o lado imperam, com o argumento de flexibilizar a economia, e tornar o mercado de trabalho mais fluido, tendo todavia, visíveis consequências da alteração que as relações de trabalho, quer sejam em regime contratual, quer seja em regime de trabalho autónomo, vieram trazer para a maioria dos trabalhadores, a dura realidade que é a incerteza, o desemprego de longa duração e a fragilidade das classes laborais face ao patronato.

O objetivo é também, a partir desta análise, compreender como ocorrem as reformas neoliberais, compreender o que influência esta opção da política económica, e a dimensão das consequências das reformas estruturais; como tal, embora estejamos a abordar o desemprego, que apesar de ser um facto social, o foco deste trabalho é a origem desse desemprego, a partir das políticas neoliberais que entendemos como a problemática sociológica, e é sobre essa problemática que iremos discutir neste trabalho.

Visto tratar-se de um trabalho feito através de pesquisa documental e bibliográfica com as limitações que apresenta à partida, optámos por utilizar uma análise da informação através da recolha e da combinação de dados estatísticos, tanto do INE como de e outros organismos, como recursos de informação de qualidade, que nos permite compreender a abrangência do fenómeno discutido neste trabalho.

 Optamos por iniciar com uma definição dos conceitos de “Desemprego” e de “Neoliberalismo” sendo este último um termo que tem sido usado como pejorativo pelos seus opositores; segue-se a segunda parte, que será a análise do problema social do desemprego e da problemática sociológica das reformas político-económicas denominadas aqui por neoliberalismo.

1.    PRIMEIRA PARTE

1.1. A Definição dos Conceitos e os Antecedentes Históricos

Antes de tudo, faz-se necessário referir que, já em Karl Marx, havia uma designação do desemprego a partir das estruturas capitalistas, que ele designava de um “Exército Industrial de Reserva”, ou seja, uma massa de desempregados disposta a conseguir um posto de trabalho por um valor mais baixo do que o do mercado. Este exército de desempregados não é uma falha do sistema em si, é antes um objetivo. Serve de recurso para baixar os salários e o valor do trabalho, permitindo assim um maior controlo social sobre os trabalhadores, é também este fenómeno que Marx nos revela, consideramo-lo atual, pelo que iremos estuda-lo no contexto socioeconómico da atualidade.

Pode-se referir que a e hegemonia neoliberal ocorre a partir dos meados dos anos 70 do século XX, como uma corrente que se opôs ao Welfare state vigente na Europa desenvolvida, em particular no Reino Unido, França, Alemanha Ocidental e países Escandinavos. Nessas economias mistas e influenciadas pelo keynesianismo, (as teorias de John Maynard Keynes). Para além disso, a pouco e pouco os Neoliberais iniciam reformas, inicialmente no Chile com Augusto Pinochet em 1978, mais tarde nos Estados Unidos da América, com Margaret Thatcher a partir de 1979 e com Ronald Reagan em 1980, o fenómeno neoliberal só chegaria a Portugal com Cavaco Silva a partir de 1985, mas aprofunda-se em 1987 com a primeira vitória absoluta do Partido Social-democrata e as reformas incentivadas pela CEE. Comunidade Económica Europeia. É também imperioso dizer que é a partir dos anos 90, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) é criada a partir da transformação do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) através de negociações que ocorreram de 1986 a 1993, tendo sido designadas por Uruguay Round, e que por sua vez, estes acordos estão relacionados com a Globalização a partir dos anos 90, época a partir da qual se verifica uma intensificação da importância de flexibilizar a força de trabalho, com políticas públicas, que visavam desmantelar o pleno emprego.

Já na América Latina, há uma relação intima das reformas económicas com o aumento do desemprego e da pobreza (Campos, 2017), tendo baseado o seu estudo na teoria sociológica na obra de Robert Castel, que afirma: “…a ameaça de fratura social ocasionada pelo processo de globalização e pelas políticas económicas neoliberais, através de uma “desmontagem” do sistema de proteções, desestabilização da sociedade salarial, que fora construída e solidificada no decorrer do século XX” (Castel, 2008), posto isto, pode dizer-se com alguma segurança, que embora as reformas na América Latina e Portugal, tenham ocorrido em épocas diferentes, por motivos diferentes, têm no entanto, bastantes semelhanças no que concerne ao objetivo da flexibilização do mercado de trabalho, com consequências no agravamento dos problemas sociais, em particular do desemprego.

1.1.2. Definição de Liberalismo

Segundo o Professor e Sociólogo Daniel Pereira Andrade (Andrade, 2019), as principais correntes teóricas da sociologia que se debruçaram sobre o tema do Capitalismo e Neoliberalismo, foram as teorias (Marxista, Weberiana, foucoultiana, neo-marxista, bourdieusiana), o termo “Neoliberalismo” surgiu nos anos 30 a partir da uma reunião de economistas que se opunham à intervenção do Estado na política económica, bem como ao planeamento centralizado, tando dos regimes de economia socialista, como nos países de economia mista, e sobretudo em oposição ao Keynesianismo.

Inicialmente o termo visava acima de tudo, defender o “Mercado Livre”, e entendiam que só com a plena liberdade dos agentes económicos é que a economia funcionaria em pleno, e poderia desenvolver o país, à semelhança do que no século XVIII defendera o filósofo e economista britânico Adam Smith no seu livro “A Riqueza das Nações” no qual lança as bases do “Liberalismo”, assim, o termo Neoliberalismo, foi amplamente adotado para a doutrina económica por vários economistas, que a partir de 1930 opunham-se à intervenção do Estado para colmatar a grande Depressão de 1929, no entanto, tal não impediu que o termo fosse usado pejorativamente pelos seus opositores, sobretudo a partir das políticas económicas de Augusto Pinochet no Chile em 1978 (Andrade, 2019), o termo passou a ser entendido como sinónimo de desregulamentação do Mercado, privatizações e o desmantelamento do Estado do Welfare State. Atitude que levou a que os defensores do neoliberalismo abandonassem o termo, de tal modo que nenhum político ou economista se autodenominam de Neoliberais hoje em dia, optam categoricamente por não se identificar com o termo, sem contudo desistir dos objetivos a que desde a década de 30 se propuseram, os quais, após os consulados de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, viram a expansão da doutrina Neoliberal expandir-se geograficamente para os demais países europeus, sendo o neoliberalismo a principal moldura ideológica e doutrinária da União Europeia a partir do Tratado de Maastrischt, segundo afirma Maria Clara Murteira(Murteira, 2011).

É a partir do ano 2000, que o termo volta a ser debatido para uma clarificação da sua definição nas Ciências Sociais, com o contributo de Pierre Bourdieu, Loïc Wacquant e David Harvey e com textos póstumos de Michel Foucoult, mas também com a contribuição de muitos outros cientista sociais.

No entanto, Taylor C. Boas e Jordan Gans-Morse, referem que os artigos dedicados ao neoliberalismo desde 1990 até 2004, não apresentaram nenhuma definição explicita do conceito teórico do termo (Boas & Morse, 2009), limitando-se a entender o termo de forma vaga, como reformas nas políticas económicas, além de modelos de desenvolvimento e ideologia.

Por fim, sendo necessário uma definição do Neoliberalismo para este estudo, utilizamos a interpretação do Professor de Ciências Sociais Bresser-Pereira, que utiliza a definição de Zygmunt Bauman, para definir o neoliberalismo, afirma que Bauman no seu livro “Modernidade Líquida” não utilizou o termo neoliberalismo, mas sim “Modernidade Liquida”, que todavia, não é inerente à modernidade mas sim ao ‘neoliberalismo que fora introduzido em todo o tecido social e valorativo da sociedade entre as décadas de 1970 e 2000, (Bresser-Pereira, 2014), ainda o mesmo autor, afirma que Bauman define o caráter fluido da sociedade por termos como “desregulação, liberalização, ‘flexibilização’, que são ocorrências típicas da proposta neoliberal”; é esta definição do conceito do Neoliberalismo que passo a utilizar para o presente estudo, e que será corroborado, tal como dissemos com informação documental, sobre as reformas económicas ocorridas, sobretudo em  Portugal, e a partir da adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) já a partir de 1987, com o governo de maioria absoluta do Partido Social Democrata.

1.1.3. Definição de Desemprego

O desemprego à partida é um termo que não apresenta dificuldade de definição para a grande esmagadora maioria das pessoas, usado de forma genérica e com interpretações vagas sobre o desemprego. Faz-se imperioso deixar claro aqui a definição do conceito à luz das teorias sociológicas.

Nesse sentido, a definição mais genérica do desemprego é a associação à ausência de emprego. Contudo, será mais correto definir o desemprego como uma situação associada à ausência de emprego ou de trabalho regulado por uma relação contratual que institucionaliza o trabalho e emprego (Rodrigues, 1999).

Para além de uma definição de desemprego, não menos importante para o presente trabalho é indicar e descrever a tipologia das diferentes formas desemprego, que são as seguintes:

·       Desemprego Conjuntural (DC) também denominado de Desemprego cíclico, é o que resulta das situações de receção económica e consequente poder de compra, mas também de situações como as geradas por uma pandemia, como a que se verifica com a Covid-19 iniciada em 2020.

·       Desemprego Estrutural (DE), ocorre quando o número de desempregados superior à necessidade real do mercado de trabalho, o que faz com que haja um desequilíbrio na oferta e procura.

·       Desemprego Friccional (DF), é a situação de um desemprego de transição, em que se verifica a mudança de emprego.

·       Desemprego de Longa Duração (DLD), entende-se como a situação em que as pessoas em situação de desemprego estão inscritas no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) há 12 meses ou mais, tal como está escrito no Decreto-Lei n.º 72/2017.

·       Desemprego Tecnológico (DT), Este tipo de desemprego está relacionado com o desenvolvimento tecnológico como a informática e a robótica por exemplo, que ao substituir pessoas por máquinas e equipamentos, reduzem a necessidade de contratação de funcionários de serviços e de operários na indústria.

Dos diferentes tipos de desemprego acima referidos, é imperativo que foquemos principalmente o Desemprego Estrutural (DE), de Longa Duração (DLD) e o Conjuntural (DC).

2.    SEGUNDA PARTE

2.1. A Dimensão do Fenómeno do Neoliberalismo no Desemprego

O objetivo deste capítulo é desenvolver a discussão sobre o Neoliberalismo, e assim verificar em que medida as políticas neoliberais influenciam a situação do desemprego, nomeadamente os desempregados de Longa Duração (DLD), quer seja a partir de reformas estruturais da economia política, quer seja pela resposta a crises económicas, tal como a de 2008, que veio a provocar a  intervenção da Troika em Portugal, facto que ocorreu de 2011 a 2014, ou ainda pela necessidade de desregular e flexibilizar os mercados, nomeadamente o mercado de trabalho, através do que se denominou de modernização das leis laborais.

No entanto, e para ilustrar, cremos ser válido inserir aqui uma pequena referência ao pensamento do sociólogo estadunidense, Richard Sennett, através do seu livro “A Corrosão do Caráter” na qual analisa o capitalismo e a sua influencia nas relações de trabalho, afirma que “à medida que as hierarquias piramidais são substituídas por redes mais frouxas, as pessoas que mudam de emprego, experimentam muitas vezes, o que os sociólogos chamam de “mudanças laterais ambíguas”, onde as pessoas movem-se para o lado acreditando que estão a ascender na rede frouxa. Esse movimento de caranguejo ocorre, afirma o sociólogo Manuel Castells, que, mesmo que as rendas tornem-se mais polarizadas, as relações de trabalho tornam.se mais amorfas” (Sennett, 2009. Pp 100).

É de salientar que os sociólogos Luc Boltanski e Éve Chiapelo, tal como Sennett, denominam de “Capitalismo” o que nós neste trabalho denominamos de Neoliberalismo, será que estamos a falar da mesma coisa? Cremos que sim, visto que o que os sociólogos acima analisaram é o conceito que é assumido por políticos e economistas, ao contrário do que já atrás afirmamos, recusam o termo neoliberalismo, muito embora, a doutrina capitalista tenha na sua génese o liberalismo que representa o afastamento do Estado do planeamento e da regulação da economia, para ilustrar isto, os sociólogos Luc Boltanski e Éve Chiapelo (Boltanski & Chiapelo, 2009, pp 20-25) afirmam que desde a crise do Petróleo de 1973, que o capitalismo regenerou-se, fortalecendo-se, ainda que com avanços e recuos, mas com um período de vinte anos, com investimentos e índices de lucro elevados. Anos que foram favoráveis ao investimento privado, com retorno vantajoso ao contrário do que havia acontecido em períodos anteriores com a crise de 1929, e a partir do inicio dos anos 90 do século XX, os operadores financeiros obtiveram uma liberdade de ação que há muito não existia, investindo-se muito mais em aplicações financeiras como o mercado acionista, do que investir com risco na produção, quer seja na indústria, na agricultura e peruaria ou até mesmo comércio, é a partir daqui que volta a surgir a bolha especulativa, o fantasma de 1929, que mais tarde, já em 2007/2008 veio a gerar uma nova e grave crise financeira global, denominada de Bubprime Crisis, com a falência de vários bancos como o centenário Lehman Brothers nos EUA, precisamente no fatídico dia 15 de setembro de 2008, facto que serviu para propagar uma crise à escala global, tendo abalado o mundo financeiro na esmagadora maioria dos países. Paralelamente ao investimento financeiro, ocorreu também a aquisição e a fusão de multinacionais; ainda os mesmos autores afirmam que toda esta regeneração do capitalismo (que entendemos neoliberalismo) trouxe consequências sociais, nomeadamente no que toca ao desemprego, isto porque há uma clara separação da dimensão social e da dimensão económica. Só para ilustrar, os autores afirmam que o desemprego em França era de 3% em 1973, 6,5% em 1979 e 12% em 2008.

Na busca de melhor compreender o fenómeno sociológico do Neoliberalismo, ou talvez melhor dizendo, das Políticas de liberalização dos mercados económico, financeiro e laboral, e tendo em conta que o nosso intuito é compreender o fenómeno de forma inequívoca, surgem-nos duas questões que parecem-nos bastante relevantes:

1º - Tanto quanto possível identificar e saber quais foram as datas em que as reformas económicas ocorreram, em que intervalo de tempo, ou por outras palavras, verificar os diferentes momentos e quais foram concretamente as políticas públicas adotadas.

2º - Aferir pela análise documental, que obtivemos pela recolha de dados estatísticos, se se verifica substantivamente a correlação da influência do Neoliberalismo na situação de desemprego, tanto estrutural como de longa duração, comparando dados subsequentes as reformas políticas, através da comparação e análise das diferentes variáveis, permitindo-nos assim, compreender a dimensão da precariedade das relações laborais a partir de reformas legislativas e da influência sobre o mercado de trabalho.

3º - Entendemos ser útil, verificar os índices de desemprego, nos períodos onde, ao contrário de crise económica, ou de reformas de flexibilização dos mercados, tenha havido um maior investimento por parte do Estado nos apoios sociais, ainda que tímidos, o que permite-nos analisar de forma critica o impacto no desemprego verificado em épocas diferentes, tanto do Estado de Bem-estar social como das reformas neoliberais.

2.2. Os Períodos de Reformas “Neoliberais” em Portugal

Também em Portugal, fizeram-se sentir as reformas económicas, que inicialmente visavam corrigir os erros do período revolucionário iniciado em 1974 e terminado em 1976, data em que se iniciaram políticas de coesão económica, primeiramente com o I Governo Constitucional de Mário Soares do Partido Socialista (PS) que solicitara a adesão à CEE, acentuaram-se com os governos da Aliança Democrática (AD) de Francisco Sá Carneiro (1980) e Pinto Balsemão 1981 a 1983, com reformas de fundo na economia, com privatização das empresas estatais, (que haviam sido nacionalizadas no ‘Verão quente de 1975’) e para dar resposta à crise petrolífera de 1979-1980 surgida com a Revolução Iraniana; no governo do Bloco Central (PS-PSD),  de Mário Soares e Carlos Mota  Pinto de 1983 a 1985, com  intervenção do FMI (Almeida, 2011), que impôs profundas reformas económicas e o equilibro das contas públicas como condição sine qua non, para a recuperação da economia, mas também para a adesão de  Portugal ao Mercado Comum Europeu; As medidas do Bloco Central geraram muita contestação social.

Seguiram-se os governos do PSD liderados por Cavaco Silva de 1985 a 1995, um período inicial de forte crescimento económico e de estabilidade política, pela integração à CEE a 1 de janeiro de 1986, foram acentuadas as políticas de flexibilização da economia. Por fim seguiram-se as reformas de reestruturação financeira pelo período da Troika, com nova intervenção do FMI de 2011 a 2014 durante o governo de Pedro Passos Coelho (PSD-CDS), com a crise económica mais longa e mais severa de sempre em Portugal. Portanto, definimos quatro principais períodos de reformas de modernização, flexibilização e liberalização da economia, na maioria das vezes acompanhadas de crises económicas.

Delimitados que estão os períodos de reformas neoliberais em Portugal, que se seguiram à normalização da vida política em 1976, e que visavam corrigir os erros do Período Revolucionário em Curso (PREC), bem como aumentar a competitividade da economia portuguesa no mercado internacional, resta-nos verificar os índices de desemprego ocorridos nos períodos subsequentes.

Passemos a analisar os dados que obtivemos do Instituto Nacional de Estatísticas (INE); o que verificámos é que seguidamente a crises acompanhadas por reformas Neoliberais, quer de ordem financeira, económica e de legislação das relações de trabalho, que são em grande medida assimétricas, segue-se a recuperação da economia, mas mantém-se a crise do Estado Social, com consequências no mercado de trabalho e por extensão no empobrecimento dos desempregados. É importante referir que, o desemprego afeta de diferentes formas homens e mulheres, o sexo feminino é o que apresentou de 1970 a 2011 a mais baixa taxa de atividade, todavia, no que concerne ao desemprego é a que apresenta a maior taxa, ver no Gráfico 1 fruto de uma sociedade que demorou a perceber a importância de criar as reformas de igualdade de género, e abrir a sociedade, o mercado de trabalho e a economia às mulheres, algo que só seria iniciado após o 25 de Abril de 1974 com a criação da Comissão da Condição Feminina (CCF) com Marial de Lourdes Pintassilgo, na altura Ministra dos Assuntos Sociais.

No Gráfico 2, encontramos conjuntamente os dados do desemprego, do PIB, da inflação anual, o que nos permite ter uma visão mais ampla, com a crise e as reformas de 1983, o desemprego sobe de 7,6% naquele ano para os 8,2% em 1984, e vai manter-se na casa dos 8% até 1987, quando começam a surtir os efeitos do Boom económico com a ajuda financeira da CEE. Nota-se que, no entanto, voltam a subir desde 1993 com 5,5% até os 7,2% em 1996, já no governo de António Guterres a taxa volta a descer, até quase ao pleno emprego com 3,9% no ano 2000.  Voltando a subir ligeiramente a partir de 2001 já no governo de António Durão Barroso, para os 4% e mantém-se a subir gradativamente, o que indica que se trata de uma adaptação do mercado de trabalho à flexibilização, que continuou com o governo de José Sócrates, e manteve-se a subir, atingindo em 2007, o índice de 7,6%, mas é com a crise de 2011 e a intervenção da Troika, que dispara para uma taxa nunca antes vista, 16,2% a mais alta registada até hoje, consequência direta das reformas na função publica, da crise que gerou empobrecimento da população desempregada e consequente acentuada no consumo.

Posto isto, podemos aferir, que há uma relação entre as reformas económicas, a que os seus opositores denominam de “Neoliberalismo” e o desemprego, a que alguns sociólogos como Boltanski e Chiapelo (Boltanski & Chiapelo, 2009) denominam de uma degradação social, face à regeneração capitalista; ou ainda em bom rigor, ao que Richard Sennett  (Sennett, 2009) ilustra sobre a relação do moderno capitalismo e da fragilização das relações de trabalho, ou ainda da afirmação de Zygmunt Bauman (Bresser-Pereira, 2013) quando diz que a modernidade líquida é o paradigma da desregulação, liberalização, ‘flexibilização”. Todos estes autores, conseguem identificar pelas suas teorias, a separação nítida da dimensão económica da dimensão social como paradigma do moderno Capitalismo, também denominado de Neoliberalismo.

2.3.       Dificuldades do Presente Trabalho

Verificámos dificuldade na recolha das informações especificas sobre as reformas económicas, estruturais e laborais, que seriam demasiado grandes para recolher, tratar e analisar neste pequeno trabalho, e com alguma justiça referimos que são todavia importantes saber essas informações para aferir as consequências no tecido social, no entanto, alguns dados de desemprego ocorreram por crises económicas como a de 2008 e a de 2011, tendo sido posteriormente feitas alterações ao Código de Trabalho e ao Código Contributivo em fevereiro de 2009 no Governo de José Sócrates, sofreu alterações com a Troika em 2013 e voltou a ter alterações que entraram em vigor a 1 de outubro de 2019, sendo a 18ª alteração ao Código do Trabalho desde que foi criado.

No entanto, as reformas não se fizeram em uníssono pelo mundo fora, nem as crises afetaram de igual modo os diferentes países. O que não impede a análise documental, mas dificulta-a.

 

3.    ANEXOS

















4. BIBLIOGRAFIA e REFERÊNCIAS

Andrade, Daniel Pereira (2019) O que é o neoliberalismo? A renovação do debate nas ciências sociais. Revista Sociedade e Estado, Vol. 34 nº 1 de janeiro/abril de 2019, pp 211-239

Almeida, João Ramos (2011, 7 de abril) A crise económica que levou Portugal a provar pela primeira vez a receita do FMI. Consultado em 07-01-2021 em https://www.publico.pt/2011/04/07/jornal/a-crise-economica-que-levou-portugal-a-provar-pela-primeira-vez-a-receita-do-fmi-21786788

Boas, Taylor C.; Gans-Morse, Jordan. (2009) Neoliberalism: from new liberal philosophy to anti-liberal slogan. Studies in Comparative International Development, v. 44, n. 2, p. 137-161.

Boltanski, Luc; Chiapello, Ève (2009) O Novo Espírito do Capitalismo. São Paulo. Martins Fontes.

Bresser-Pereira, Luiz Carlos. (2014) Modernidade Neoliberal. Revista Brasileira de Ciências Sociais» Vol. 29 nº 84, fevereiro de 2014. Pp. 87-102.

Campos, Rosana Soares (2017), O impacto das reformas económicas neoliberais na América Latina: desemprego e pobreza, Polis (Revista Online), nº 47 de 2017. Acedido em 08/01/2021 em https://journals.openedition.org/polis/12585.

Castel, Robert (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Brasil: Editora Vozes.

Martins, Raquel (2014) Troika deixa Portugal com uma taxa de emprego ao nível dos anos 80. in Jornal Público – publicado a 3 de maio de 2014. Acedido em 08 de janeiro de 2021 em https://www.publico.pt/2014/05/03/economia/noticia/troika-deixa-portugal-uma-taxa-de-emprego-ao-nivel-dos-anos-80-1634447.

Murteira, Maria Clara (2011) As reformas das Pensões entre Pressões Políticas e Constrangimentos Financeiros. Comunicação apresentada na Conferência “Novas Vestes da União Europeia?”, 2º. Painel: A Harmonização Laboral e da Segurança Social, IDEFF, FDL, Lisboa, 4 de abril de 2011.

Quivy, Raymond e Campenhoudt, Luc Van (1998) Manual de Investigação em Ciências
Sociais, Oeiras, Celta Editora.

Rodrigues, Eduardo Victor et al (1999) A Pobreza e a exclusão social, teorias, conceitos e políticas sociais em Portugal. in Sociologia – Revista da Faculdade de Letras do Porto, pp. 63-101.

Sennett, Richard (2009) A Corrosão do Caráter- consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Editora Record, pp. 100.

Autor do blog: Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, é licenciado em Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Políticas Públicas e Desigualdades Sociais, frequentou o Mestrado de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Estagiou com reinserção social de ex-reclusos e o apoio a famílias em vulnerabilidade social. É Bloguer desde 2007, tem publicados oito livros de temas muito diversos, desde a Poesia até à Política.

Teoria do Desemprego de Longa Duração














Compreender as Causas e Efeitos do Fenómeno

Autor: Filipe de Freitas Leal - Janeiro 2022
Trabalho da Disciplina de Teorias Sociológicas do Mestrado de Sociologia.
Recensão critica do livro: Uma História o Desemprego – Da antiguidade aos nossos dias’ da autoria de Yves Zobberman

Sumário:
1 - O Desemprego como ociosidade ao longo da História
2 – A Industrialização e o Surgimento do Desemprego
3 - O Desemprego de Longa Duração uma nova realidade
Conclusão
Bibliografia consultada

Introdução

O presente trabalho, tem como objetivo desenvolver os conceitos e as Teorias Sociológicas a serem aplicadas no “Projeto de Dissertação”, que por sua vez, está assente na proposta de investigação sobre o Desemprego de Longa Duração (DLD), em particular na população adulta, no que concerne à compreensão das causas e das consequências do fenómeno, tais como o empobrecimento e de Exclusão Social.

No sentido de prosseguir estes objetivos, que são o de estudar as teorias sociológicas sobre o tema, nomeadamente para o presente trabalho, obtive a orientação do docente, que me orientou a desenvolver uma recensão critica, e para tal indicou-me o livro ‘Uma História o Desemprego – Da antiguidade aos nossos dias’, obra de Yves Zobberman, autor francês nascido em 1953 em Paris, que experimentou na própria pele a situação de desemprego durante algum tempo; muito pouco é exposto sobre a biografia do autor, sabe-se que é formado em Relações Internacionais, sendo diplomata e adido para assuntos culturais e sociais, é também conferencista, e no livro que agora analisamos com uma recensão, Zoberman realizou um excelente trabalho de documentação histórica, bem como uma profunda análise social do desemprego e de inúmeras questões que estão associadas a este fenómeno social.  

Não poderia deixar de procurar também referências bibliográficas, que pudessem permitir uma comparação à realidade nacional, precisamente um livro de Ana Paula Marques, intitulado ‘Trajetórias Quebradas – A vivência do Desemprego de Longa Duração’, que vai também muito, ao encontro do que pretende ser o tema que irei desenvolver na dissertação deste mestrado, que é o Estudo do Desemprego de Longa Duração na população adulta na Freguesia de Moscavide em Loures; todavia, não limitei a bibliografia a este livro, procurei saber o que dizem outros autores sobre o tema em epígrafe.

Outros autores que foram consultados, ou que irei consultar melhor para a dissertação, permitiram uma maior visão de conjunto, e assim transformar este trabalho, num instrumento conceptual para a dissertação acima referida, e ir além no intuito de procurar contactos que em breve sejam importantes para entrevistas preparatórias e recolha de dados. Autores esses que sendo da sociologia, são de diferentes correntes sociológicas, como Zygmuntd Bauman, Anthony Giddens e por fim Richard Sennet.

O presente trabalho, está estruturado em três partes, a recensão do livro de Yves Zoberman, a contextualização da realidade portuguesa, e por fim uma conclusão. Pelo que espero poder ter ao longo deste trabalho, quer pela parte da análise histórica da obra de Zoberman, quer do Estudo empírico desenvolvido por Ana Paula Marques, e as obras conceituados sociólogos acima referidas, obter assim, uma clarificação sobre conceito e/ou conceitos de desemprego em particular do Desemprego de Longa Duração, que como o autor refere, é o desemprego típico da  Pós-modernidade, pela força das mudanças tecnológicas por um lado, e simultaneamente com a modificação dos modos de gestão numa economia globalizada e competitiva.

O que pude observar na análise primária dos livros utilizados, bem como na pesquisa de dados sobre o desemprego, obtidos em informação jornalística recente, é que, não se trata apenas do contingente de uma massa de desempregados que sobe, não é apenas o tempo de permanência nessa situação que aumenta, mas é também a situação da previdência social que vacila, e obriga a alterações legislativas para flexibilizar os contratos de trabalho, e simultaneamente o de tentar manter a sustentabilidade dos sistemas de Proteção Social (Zoberman 2015).

Palavras-Chave: Desemprego, Desempregados, Exclusão Social, Desemprego de Longa-duração, Empobrecimento e Envelhecimento.

1 – O Desemprego como ociosidade ao longo da história

Zobberman traz-nos no seu livro, logo na introdução, e de forma inequívoca, a informação de que o Desemprego sempre existiu, todavia, não havia o conceito social de desemprego, mas antes de ócio, e sempre com um significado negativo, mas vai mais longe, parte mesmo dos conceitos de trabalho a partir dos textos sagrados da traição judaico-cristã e que se cimentaram de forma perene na cultura europeia ocidental até aos dias de hoje.

Ainda na introdução, refere que o desemprego tal como o concebemos hoje foi criado a partir do fim do século XIX, tornando-o uma categoria associada à sociedade industrial, conceito esse que veio a permitir instrumentalizar o desemprego, que passara a ser também objeto de retórica política, bem como de politicas sociais para o mitigar, sobretudo a partir do Relatório Beveridge em 1942, que foi o marco de lançamento para o “Estado Providência” no Reino Unido, William Beveridge propôs um imposto para que com esse valor se pudesse amparar desde viúvas a órfãos, mas também tinha como foco a situação dos desempregados.

Foi a industrialização, que há mais de um século e meio, veio a nos permitir desenvolver o conceito de desemprego e de desempregado até então inexistente, mesmo que já existisse de facto, a ideia que de forma negativa estava associada a essa condição era a ociosidade, tal ideia permaneceu na mentalidade de várias épocas no passado até mesmo aos meados do século XX, o que por outras palavras pode-se aferir, que se trata de um constructo social (Demazière, 2008).

Zoberman refere que foi aliás a luta contra a ociosidade (o modo como eram vistos os desempregados, os inválidos e os judeus na Alemanha Nazi) que levou a que se escrevesse no portão de vários campos de concentração a frase: Arbeit macht frei, O trabalho liberta, mesmo que que trabalhos forçados se tratasse (a realidade dessa época e do seu ideal não ficará esquecida). 

A “Ociosidade” na visão Judaico-cristã

No primeiro capítulo, o autor revela no texto que a Torá judaica (equivalente aos cinco primeiros livros da Bíblia, denominados de Pentateuco pelos cristãos), começa por mostrar o Deus que trabalha, o Criador, que tendo trabalhado do primeiro dia até ao sexto dia da criação, descansa ao sétimo, consagrando o Sábado como dia de descanso obrigatório para todos. Em várias partes dos textos sagrados, o ócio é condenado e o trabalho valorizado, mas refere ainda a situação dos escravos hebreus no Egito, onde o texto da Torá condena veementemente a escravidão, e mostra o zelo que Deus tem para com o povo hebreu (Zoberman, 2011, 27-32pp). Os cristãos não ficaram atrás, na Carta de Tiago aos apóstolos, refere que o ócio (desemprego) é uma maldição que não pode ser aceite de nenhum modo.

Apesar de condenar-se o ócio, a solidariedade e a justiça social, estão presentes pela exortação da caridade para com os pobres ao longo de todo o texto bíblico, quer da Tanach judaica quer do  Novo Testamento cristão.

A Ociosidade na Antiguidade Greco-Romana

Na Grécia Antiga, a diferença de classes ricas e pobres, fazia-se através da distinção entre os donos das terras e os que nelas trabalhavam, tendo como modelo o movimento de redistribuição da riqueza pela posse de terras, a eliminação de dividas e a libertação de escravos, em meio a este triangulo socioeconómico de distribuição da riqueza encontravam-se os pobres (pessoas livres, mas sem posses e sem trabalho) que eram vistos como ociosos, visto que o conceito de desemprego não existia ainda. (Zoberman 2011, 37 pp)

Na Civilização romana, o ócio foi combatido veementemente, e aparece na obra de Hesíodo, em “Os Trabalhos e os Dias”, que exprime o receio da ociosidade para o homem, onde refere que a fome é sempre uma permanente companheira dos preguiçosos, e dá ênfase ao dizer que os deuses e os mortais odeiam os todos os que vivem na ociosidade e na preguiça, e o filósofo Aristóteles também critica o ócio, chegou a afirmar que o “labor” dos homens livre é diferente do labor dos escravos, porque não vive sob sujeição de outros (Zoberman, 38-39 pp), logo podemos aferir que na visão grega, mas também romana, como veremos a seguir, era o trabalho que é em si a condição de um homem livre, não o ócio.

A mendicidade é à semelhança do ócio um mal a combater na cultura greco-romana, sendo ambas fruto do que denominam a preguiça, a mendicidade era tida como um ócio voluntário, utilizado como profissão, modo de sobrevivência e ao mesmo tempo recusa em aceitar um trabalho digno, havia portanto uma visão da “utilidade social do homem pelo seu trabalho, (Zoberman 2011, 45 pp) por outras palavras, o trabalho como meio de serviço à comunidade, ao bem-comum. Em detrimento da ociosidade como egoísmo.

O texto de Zoberman, revela a peculiaridade do modo como a ociosidade foi vista, totalmente alienada de uma realidade socioeconómica da época, não obstante, a pouco e pouco surge a consciência de ajudar os que não tinham trabalho, surgem em primeiro lugar os “Donativos” na Grécia antiga, cujo termo era “evergentismo” e mais não era que um imposto dos ricos para a Cidade Estado, sendo sinal de autoridade política e tributária, não ainda de justiça social. Segue-se em Roma o exemplo de Caio Graco Séc. II AEC, em que reconhecem a importância de alimentar os pobres dando-lhe terras para cultivarem.  O autor frisa ainda o facto de que excluindo os escravos, cujo trabalho era impositivo sob ordens determinadas, tanto em Roma como no Império Romano, ignora-se ter havido ou não a possibilidade de obrigar ao trabalho a “plebe” (pessoas pobres e livres).

A Idade Média – Os Sem Ocupação

O autor, lembra-nos que após a queda do Império Romano pelas invasões bárbaras, a organização social faz-se através de um modo de vida rural, todavia, mantendo o Direito romano, tendo sido vincado o papel da Igreja na organização social nos campos. Surge no entanto, a designação pejorativa de “Os Sem Ocupação” em substituição ao termo antigo de “ociosos”, mas de igual forma uma preocupação a ser combatida, como se estar sem ocupação fosse por culpa própria e por mera opção.

Ainda na Idade média, surgiram nas paróquias inglesas os ‘Openfields’ (campos abertos) como um sistema de Terra Comum para, tal como bens comunais, para a produção agrícola para subsistência aos camponeses pobres, campos onde também se pastoreava o gado, e utilizar madeira das árvores para construir as suas habitações, e ainda o uso da turfa para o aquecimento. (Zoberman 2011, 51 pp), Em Inglaterra no tempo de Henrique III, surgem mais tarde os ‘enclosures’, que são os ‘cercamentos’ campos que foram divididos por cercas pelos lordes e cujo uso passou a ser exclusivamente privado, considerada uma forma moderna de agricultura, onde os campos e os carneiros eram explorados de modo intensivo, passando a ser este um princípio da lei consuetudinária inglesa voltada para o direito de propriedade privada.

A situação acima ilustrada, foi referida por Thomas More na sua obra “A  Utopia” em que ele criticava a situação, ao usar a imagem dos doces carneiros, que na verdade tornaram-se vorazes por cobrirem todo o solo de Inglaterra “devoram homens e despovoam os campos”, e o êxito de uma agricultura intensiva para a época, gerou uma enorme horda de agricultores errantes e “vagabundos”, traduzindo-se sem que eles soubessem em desempregados, só faltava o termo e o conceito, que é patente nos dias de hoje.

Chegados ao século XIV, na visita histórica das origens do Desemprego, surgem em toda a Europa as leis que tornam o ócio e a “vagabundagem” crimes de delito, juntamente com os ociosos, vagabundos, os pobres, os miseráveis, os sem-terra são terminologias que estão associadas e encaradas como sinónimos, visto que se trata de população de deserdados da terra que não pagam impostos, levando ao êxodo rural, migrando dos campos para as cidades, tornando as cidades verdadeiros recetáculos de miséria; Simultaneamente surgem em França no século XIV as leis que protegem os assalariados, e que visava pôr os pobres a laborar, para que assim sejam protegidos por quem os empregasse. (Zoberman 2011, 50 pp).

Foi ainda no século XIV em Inglaterra, com Eduardo II em 1388, que se criaram leis para os que não trabalham e até mesmo para os que deixam um posto de trabalho, para o qual teria que ser emitida uma autorização, denominada de “Carta de Guia” ideia que se manteve até ao século XIX com a “Carta Operária”, ou seja, os trabalhadores, não eram livres por si só para deixarem os seus trabalhos, necessitavam de um documento para não serem considerados “desocupados errantes” ou “vagabundos”.

A Caridade como combate à miséria dos Sem-ocupação

Segundo o autor, não existiu só a opressão e as injustiças ou imagens negativas dos ‘sem ocupação’, a Igreja teve um papel importante através da caridade, tal surgiu com a intensificação da agricultura e dos ‘enclosures’ que fizeram disparar nas cidades a população de pessoas sem trabalho, sem ocupação, levando ao aumento da precariedade de famílias inteiras. Sentiu-se a necessidade de saber o que fazer e como socorrer as vítimas, mas principalmente em situação de “ociosidade forçada”, a questão colocou-se cedo, e a resposta foi a Caridade cristã, vinda da virtude emblemática do povo judeu, onde a esmola é um dever sagrado (Zoberman 2011, 71 pp).

Para o protestantismo iniciado no século XVI, o homem é feito para trabalhar, o desemprego é reprovado como um mal, uma praga; não esqueçamos que é precisamente do protestantismo que nasce o capitalismo, logo a visão face aos sem-ocupação é diferente da moral católica, onde muitas ordens religiosas como os franciscanos, entre outras ordens mendicantes, que haviam sido criadas, precisamente para amparar os desvalidos, e lembra bem o autor, por outras palavras, que para São Francisco de Assis a pobreza era uma virtude no modo de ser e a caridade uma virtude no modo de agir. Lutero ao contrário do que fala em parte o Antigo Testamento judaico, no qual o trabalho pode ser também alienante, já os protestantes vêm no trabalho a virtude de criação de riqueza, (Zoberman 2011, 77pp).

Os descobrimentos e uma primeira globalização

Os descobrimentos iniciados com o século XV e XVI, trouxeram uma mudança de paradigma, permitindo a muitas pessoas emigrarem para o novo mundo, todavia a mobilidade geográfica não era fácil, as mobilidades profissionais e sociais eram ainda regidas pelas normas medievais,  o que faz disparar o número dos vagabundos, desvalidos e mendigos, e isso gera preocupação, a solução foi iniciar-se uma mudança de atitude, deixar de lado as normas antigas, iniciando-se uma nova forma de contratação entre homens livres, mas ao contrário a luta contra o desemprego foi reprimir os que não tinham trabalho. Tentara-se por cobro à situação, mas como não havia ainda a definição precisa de “desempregado”, todos eram tratados de igual modo como sendo a mesma coisa, os sem-ocupação, os vagabundos, aos mendigos, os chulos, as rameiras, os gatunos, eram para a autoridade sinónimos. Esta visão distorcida, leva as autoridades a tomarem os Trabalhos Forçados, e os Internamentos compulsivos, como forma de combater o ‘desemprego’, esse modo de pensar só viria a mudar séculos mais tarde, em França em 1699 foram criadas as Oficinas da Caridade, primeira política social de integração de populações inativas (Zoberman 2011, 98-102 pp).

Noto que ao visitarmos a viagem histórica pelo desemprego, desde os tempos bíblicos até aos século XVII e XVIII, embora o termo ainda não fosse existente, podemos sentir que estamos também a visitar a história do trabalho bem como dos aspetos ligados à cultura e mentalidade vigentes e à organização social económica referentes ao trabalho, passamos portanto para o nascimento do conceito de Desemprego.  

2 – A Industrialização e Surgimento do Desemprego

É nos finais do século XIX, que após o êxito da industrialização e da prosperidade das principais potencias europeias, surgira uma massa de pobres, afundados na marginalidade da exclusão social, Karl Marx fala no seu livro O Capital, de esse exército de reserva disponível (os sem-trabalho), que é usado pelos capitalistas, sendo o capital fixo o valor imobiliário e o financeiro aplicado pelo capitalista, e o capital variável a mão de obra precariamente contratualizada e mal paga.  Para Karl Marx trata-se de uma contradição do capitalismo, visto ser um desperdício de mão-de-obra e gerador de empobrecimento.

O termo de ‘Desempregado’ veio a surgir pela primeira vez, não na Alemanha de Marx que fora o berço das políticas sociais, mas em França e por força das estatísticas, devido a um recenseamento da população no ano de 1896, o inquérito usava o termo desempregado no sentido moderno que hoje temos.

Não obstante, Max Lazard, um sociólogo francês, estudou o desemprego, e reclama a falta de uma definição clara para o termo. Anos mais tarde as definições começaram a aparecer, dividindo-se o desemprego em categorias, ora há os desocupados por falta de emprego, ora os desocupados por falta de trabalho, em 1906 com a criação do Ministério do Trabalho em França, definem-se melhor os conceitos de desemprego por força das estatísticas (Zoberman 2011, 177 pp).

No entanto, não bastou que se definissem apenas o que é o desemprego e quem são os desempregados, cada vez mais, numa sociedade complexa, foi necessário estudar as diferentes situações de desemprego, em particular o Desemprego de Longa Duração (DLD), um tipo de desemprego que atinge também os profissionais formados, inteligentes e prontos para trabalhar, que há algumas décadas poderiam escolher com facilidade onde queriam trabalhar, hoje vêm-se numa situação de “relegados para um armazém dos necessitados sociais” tal como diz o autor. Passa-se a fazer parte de um exército de excedentes, prontos a serem utilizados ou não, de acoro com as conveniências o mercado de trabalho.

O Desemprego está intrinsecamente ligado ao capitalismo emergente na industrialização, mas a partir daí foi possível uma primeira definição ainda na introdução do livro em que diz: “o desemprego é o não-trabalho, (…) o não-emprego, mas não a inatividade, pois o desempregado é um ativo potencial”. Ou seja, o conceito atual de desempregado, é todo o individuo que se encontra sem trabalho mas que o procura de forma ativa, e isto faz desses indivíduos sem emprego, parte integrante da população ativa.

Por outro lado, também há, os indivíduos que não tendo trabalho, não estão mais ativos na procura de emprego, entre outros, um dos motivos pode estar relacionado a desistiram de procurar emprego. E a corroborar este conceito, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) faz a seguinte definição: “Considera-se “desempregado” o indivíduo com idade dos 15 aos 74 anos que, no período de referência, se encontrava simultaneamente nas seguintes situações: não tinha trabalho remunerado nem qualquer outro; tinha procurado ativamente um trabalho remunerado ou não ao longo de um período específico (no período de referência ou nas três semanas anteriores); estava disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não. (…)  Considera-se “inativo” o indivíduo que, independentemente da sua idade, no período de referência não podia ser considerado economicamente ativo, isto é, não estava empregado nem desempregado” (Zoberman, 2011, 18pp);

Não obstante, os conceitos que atras foram expostos, não impediram a continuidade de uma visão negativa sobre os desempregados, que além das dificuldades associadas encontram a permanente companhia da vergonha da sua situação entendida como “preguiça”, que foi com a industrialização condenada, à medida que permitiu promover o trabalho livre, face à escravatura e à servidão, assim, pôde-se definir os tempos de trabalho e não-trabalho, mas o fim do esclavagismo ou da servidão, não evitaram o desemprego (Zoberman, 2011, 20pp).

O desemprego foi definido de diferentes modos, por dois grandes economistas vejamos a visão do Neoliberal Milton Friedman: “A economia de um país, apresenta uma taxa de desemprego natural, associada ao ótimo estado de funcionamento da economia, formação de capital, inovações tecnológicas, mas que no caso de um salário mínimo elevado, os empresários não podem contratar o salário que querem, logo o mercado torna-se rígido, tendo um elevado desemprego, mas se ao contrário, o mercado for flexível, o desemprego é mínimo”.  Por outro lado John Meynard Keynes que indicava que se a procura de bens aumenta, consequentemente aumenta o nível de emprego.

Keyines estava certo, mas este modelo funcionou bem até há algumas décadas, após a globalização e a deslocalização de empresas para outros países, a procura aumentava, mas quem beneficiava eram os países para onde as indústrias se deslocaram. (o que permitiu a ascensão dos países asiáticos, tornando a China uma das maiores economias o mundo).

O aumento atual desemprego de massas, tem vindo a tornar-se cada vez mais preocupante, porque atinge uma vasta multidão de jovens que não chegam ao mercado de trabalho, e de inúmeros adultos que perdendo o emprego vivem numa situação de desemprego de longa e muito-longa duração, ou mesmo a possibilidade de muitos não conseguirem voltar a reverter a situação.

2– O Desemprego e Longa Duração uma nova realidade

Se por um lado Zoberman no seu livro, indica-nos que o Desemprego foi uma realidade ocultada até ao século XIX onde por força das circunstâncias da época foi imperioso uma mudança de paradigmas, e foi com das estatística em França e a criação o ministério do Trabalho, que surgiu o termo de ‘desempregado’ e ‘desemprego’. Por outro lado, a socióloga Ana Paula Marques, que estuda o desemprego, em especial o Desemprego de Longa Duração, fala-nos da invenção do desemprego, afirma no seu livro, que “é difícil analisar o desemprego, na medida em que os seus contornos sociais são cada vez mais invisíveis, nas estruturas sociais, nos estilos de vida e nas orientações normativas e simbólicas” (Marque 2016, 26 pp).

Refere a autora que corrobora o livro de Zoberman, ao dizer-nos que os estudos do desemprego são recentes, tenho surgido no século XX, não só com os estudos promovidos pelo ministério do Trabalho em França, mas também da criação da OIT em 1919, dentro da então Liga das Nações.

No que concerne às épocas mais recentes, a OCDE afirma que o desemprego é hoje maioritariamente de natureza estrutural, devido à rigidez do mercado de trabalho (Marques, 2009). Para tal, faz-se imperioso passar à tipificação atual do desemprego:

1) Desemprego Conjuntural - Caracteriza-se por ocorrer nas fases descendentes do ciclo económico, quando o Produto fica abaixo do nível de pleno emprego. (Mitange 2012)

2) Desemprego Estrutural – Resulta das transformações ocorridas na estrutura económica, ou seja, uma parte expressa os trabalhadores sem os requisitos técnicos ou educacionais necessários aos novos empregos (como por exemplo população que sai da zona rural para as zonas urbanas, ou empresas que adotam novas tecnologias ou mesmo métodos administrativos que requerem um certo nível de escolaridade). (Mitange 2012)

3) Desemprego Sazonal – este tipo de desemprego ocorre em função das variações no ritmo e na frequência da atividade económica em épocas típicas do ano, por exemplo época de colheita, em determinadas zonas, o emprego se expande para depois se contrair em períodos de cultivo por exemplo. Outro bom exemplo é em épocas festivas ou de turismo nas zonas urbanas. Esse facto diz-se sazonal pois repete-se todos os anos. 4) Desemprego Ficcional ou Natural – ocorre na transição de um tipo de emprego para outro. Quando um trabalhador perde o emprego, e não consegue encontrar outro imediatamente, diz-se que há uma “fricção”, a diferença entre o tempo de adaptação para um novo posto de trabalho (Mitange 2012).

Mário Centeno afirma que mesmo em situação de Pleno Emprego os economistas preveem a existência de desemprego, mas principalmente do desemprego estrutural, porque ainda que pareça contraditório, há na economia um processo de criação e destruição de emprego, com contratações e despedimentos simultâneos de trabalhadores.  Para Centeno, enquanto o desemprego ficcional não está associado a insuficiência de oferta de emprego, há por outro lado, o desajustamento da oferta de emprego no mercado de trabalho entre a oferta e a procura, para Mário Centeno, o desemprego estrutural e de longa duração (12 meses) ou de muito longa duração, acima dos 12 meses em diante, é uma eternização da situação. (Centeno 2013).

Voltando à questão do Desemprego de Longa Duração, que aliás, uma situação cada vez mais presente, pelo desemprego estrutural, e os desenvolvimentos tecnológicos entre outras causa; também e para além dos conceitos económicos sobre tipologia de desemprego, visitar a vivência por quem passa por uma situação de desemprego, que causa em quem vive nesta condição, o risco de dissociação dos laços sociais, imposto pela perda de um salário, um empobrecimento gradativo e progressivo na media em que avança no tempo, onde muitos dos que vivem neste contexto, passam por situações de estigma (pelo rótulo negativo de “desempregado”), ainda a somar-se a discriminação que alguns sentem, pela visão ainda negativa que paira sobre o desempregado, como culpado da sua situação. Neste sentido Ana Paula Marques corrobora o livro de Zoberman sobre a História o desemprego (Marques 2009).

2– Conclusão

A obra de Zoberman, aqui analisada, permitiu trazer um maior conhecimento sobre o desemprego, tanto no que toca ao aspeto histórico, indo aos primórdios dos tempos bíblicos aos nossos dias, analisando criticamente cada momento da história e da cultura que encarava os sem-ocupação, como os párias da sociedade, permitindo-nos desenvolver o nosso conhecimento no campo teórico-sociológico, abordando também aspetos económicos e políticos inerentes ao tema.

Sobressai no computo geral da leitura, que corrobora a ideia de que o Desemprego é um Constructo Social, como afirma Démaziere no seu estudo “Ser Desempregado para os Sociólogos”, mas ao mesmo tempo que houve um caminho a ser palmilhado na História que nos fez chegar ao conceito de Desemprego e Desempregado, há também a partir desta leitura, a ideia que há ainda muito a percorrer no intuito de mudar em termos de visão, não do desemprego em si, que é de cariz económico, mas fundamentalmente, a visão sobre o desempregado, como sendo um de nós, pela razão de que as sociedades atuais, herdaram muito da mentalidade e cultura negativa e estigmatizante sobre as pessoas em situação de desemprego, persistindo ainda a ideia de que há uma relação direta entre o desemprego e a criminalidade, a mendicância, a prostituição, o inútil ou o vagabundo e preguiçoso, que trazem consigo, a ideia de acarretar a culpa à própria pessoa em situação de desemprego, entre outras situações de exclusão, quando na verdade se por um lado se chegou ao termo (palavra) desempregado, muito ficou por mudar.

Tal como refere Ana Paula Marques, a sociologia tem vindo a desenvolver estudos sobre variados aspetos relacionados com o desemprego, nomeadamente o estigma, o rótulo, as consequências pessoais, psíquicas e até sociais do desemprego, em particular o de longa duração, tanto da população jovem que demora a entrar para o mercado de trabalho, como a população acima dos 45 anos, que ao perder o emprego, pode não voltar a conseguir empregar-se.

BIBLIOGRAFIA

Literatura consultada

CAMPOS, Rosana Soares (2017), O impacto das reformas económicas neoliberais na
América Latina: desemprego e pobreza
, Polis (Revista Online), nº 47 de 2017.
Acedido em 08/01/2021 em
https://journals.openedition.org/polis/12585.

CENTENO, Mário (2013), "O Trabalho, uma visão de Mercado", Lisboa – Editora FFMS.

DEMAZIÈRE, Didier (2008), "Ser desempregado para os sociólogos", Política & Sociedade nº 13 – outubro 2008, 109 pp Florianópolis SC Brasil, UFSC.

MARQUES, Ana Paula (2009), "Trajectórias Quebradas – A Vivência do Desemprego de Longa Duração", Santa Maria da Feira – Editora Profedições.

MARTINS, Raquel (2014) Troika deixa Portugal com uma taxa de emprego ao nível dos
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. in Jornal Público – publicado a 3 de maio de 2014. Acedido em 08 de janeiro
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https://www.publico.pt/2014/05/03/economia/noticia/troika-deixaportugal-uma-taxa-de-emprego-ao-nivel-dos-anos-80-1634447.

MITANGE, Iriana Patrícia (2012), "A Análise do Desemprego em Portugal", Lisboa – ISCTE.

SENNET, Richard (2009) A Corrosão do Caráter- consequências pessoais do trabalho
no novo capitalismo
. Rio de Janeiro, Editora Record, pp. 100

ZOBERMAN, Yves (2011), "Uma História do Desemprego – Da Antiguidade aos Nossos Dias", Lisboa – Editora Teodolito.


Autor do blog: Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, é licenciado em Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Políticas Públicas e Desigualdades Sociais, frequentou o Mestrado de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Estagiou com reinserção social de ex-reclusos e o apoio a famílias em vulnerabilidade social. É Bloguer desde 2007, tem publicados oito livros de temas muito diversos, desde a Poesia até à Política.

 
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