Foi Émile Durkheim o homem que transformou a
sociologia como ciência através das suas ideias, foi o sociólogo que pôs ordem
na casa e conseguiu mostrar o que é e como deve ser a sociologia, não que ela
não existisse antes dele, mas foi com ele que a sociologia se afirmou no campo
das ciências.
No prefácio à primeira edição de “As regras
do método sociológico” Èmile Durkheim, de forma entusiástica informa-nos que as
proposições que ele lança poderiam surpreender os leitores, sobretudo por
mostrar as coisas de forma diferente, coisas essas que não eram outras que não
os fenómenos sociais, mas afirmava que o que tinha a mostrar era de facto
diferente do que o vulgar dos mortais poderia prever, até porque dizia ele, as
descobertas desconcertam mais ou menos as opiniões correntes, aquilo a que se
chama o “Óbvio” e que persiste ainda nos dias de hoje como uso corrente para
explicar o mais complexo pelo mais simples, quase como um dogma. No entanto
afirmou também que se os leitores desistissem de procurar o sentido das suas
proposições, arriscar-se-iam a não compreender as proposições do método.
Afirmava ainda no prefácio à primeira edição
que era impossível que pudesse existir apenas um nivelamento homogéneo das
mentalidades, bem como impossível haver o contrário, ou seja, de não existir
nenhum valor moral colectivo em sociedade, até porque isso é fundamental ao
funcionamento da mesma.O Racionalismo Cientifico é o que Durkheim propõe como
método neste livro, onde afirma que os factos sociais devem ser tratados como
coisas, e o devem de forma a tornar a sociologia uma ciência que tal como as
outras, têm um objecto de estudo bem como um método, esta foi a grande
preocupação de Durkheim, a sua grande vocação foi definir concretamente o que é
a sociologia, mas foi ainda mais contundente nos seus diversos livros, Raymond
Aron, afirmou em “As etapas do pensamento sociológico” que nas obras de
Durkheim, “Da divisão do trabalho social”, “O suicídio” e “As formas
elementares da vida religiosa” Durkheim tinha um mesmo fio condutor do seu
pensamento, começando pela definição do fenómeno, depois a refutação e por fim
a explicação propriamente dita do ponto de vista sociológico do fenómeno e que
com isto Durkheim pretendeu na sua concepção assente no facto social,
demonstrar que pode e deve existir uma sociologia que seja uma ciência
objectiva (Raymond Aron, 2000: 352-353).
2 – A proposta da obra
|
Grandes obras do pensador Émile Durkheim |
Durkheim previa que as proposições por ele sugeridas no seu livro, não
tivessem aceitação de imediato por parte dos seus críticos, mas não deixou de
exortar para que a sociologia enquanto ciência nos pudesse mostrar as coisas
tal como são, não como o vulgo as entende, pois no seu entender, dizia Durkheim
que a descoberta de uma verdade científica é sempre algo desconcertante.
Sendo o mais desconcertante mostrar que a sociologia têm um objecto de
estudo, o facto social que é a base do seu método sociológico, mas era mesmo
esta ideia que teria surtido maior reação da parte dos seus críticos, por ter
tratado os factos sociais como coisas, sendo coisa tudo que não se compreende,
mas pode ser estudado. Durkheim, (1998: 7 a 9).
Durkheim iria mais longe e sugeria inclusive, que os sociólogos adotassem
um estado de espírito em que estavam todos os cientistas das outras áreas do
saber Durkheim, (1998: 14) e chega a comparar os factos sociais tal como
organismos vivos Durkheim, (1998: 16 e 17).
2.1 - O que vem a ser o facto social?
|
Livros de e sobre o pensamento de Durkheim |
Para Durkheim, todos os acontecimentos são sócias, mas nem por isso são
factos sociais, as pessoas bebem, comem, dormem, mas isso embora seja feito por
todos não são factos sociais Durkheim (1998: 29).
O facto social é sim tudo aquilo que fazemos em sociedade, mas que
recebemos pela educação, logo a minha maneira de agir em sociedade é
influenciada pela educação, sendo que os factos sociais são coercivos, gerais e
exteriores a mim, Durkheim (1998: 29).
O facto social para ser facto social tem de ter estas três característica,
ser coercivo, impondo-se a todos os indivíduos em sociedade ainda que de forma
subliminar, ser exterior porque se impõem vindo de fora de mim, ou seja da
família, do grupo do todo social e da cultura que me cerca e ser generalizado
por ser abrangente se não a todos pelo menos à grande maioria esmagadora dos membros
da sociedade.
Podemos observar isto em diversos aspectos da nossa sociedade, a cultura
futebolística, as práticas religiosas e até mesmo na vida política, e em
relação à política Durkheim afirma que também ocorrem neste campo o facto
social, onde é ditada a maneira como uma sociedade deve de se comportar e
coabitar nos seus diferentes segmentos, Durkheim (1998: 38).
2.2 - O porquê do facto social ser uma coisa
Tal como havia dito no seu prefácio à primeira edição, Durkheim afirmou que
todo o facto social é uma coisa, por ser o objecto de estudo da sociologia, tal
como os organismos vivos o são da biologia ou da botânica, Durkheim (1998: 9).
Mas também nos mostrou que é preciso ver que os factos sociais ultrapassam
as consciências dos indivíduos em sociedade, isto é que dá crédito ao facto
social como objecto de estudo científico da sociologia e contraria assim a
corrente vigente nos sociólogos da altura, que tratavam não de coisas mas sim
de conceitos, Durkheim (1998: 45).
No entanto para que tal funcionasse corretamente, Durkheim propôs o
afastamento de todas as noções prévias que poderíamos ter sobre o objecto de
estudo, pois essas pré-noções toldavam a nossa capacidade de observar o objeto
tal como ele deveria ser observado e estudado, isso vem a ser o 1º corolário do
método Durkheimiano, que combate toda a mentalidade baseada no misticismo,
visto ser um empirismo que é negador do conhecimento científico, Durkheim
(1998: 57).
No 2º corolário, afirma que qualquer investigação científica incide sobre
um grupo determinado de fenómenos que correspondem a uma mesma definição,
Durkheim (1998: 58) e usou o estudo do crime pela ideia exposta na obra de
Garofalo, afirmando que para termos uma visão correta dos factos sociais,
devemos considera-los sobre um ângulo impessoal e profundamente objetivo do
estudo dos fenómenos sociais, Durkheim (1998: 67).
2.3 – A distinção do normal e patológico
Para Durkheim, devemos observar a distinção dos factos sociais, entre dois
tipos, o normal e o patológico, ou seja aqueles que são tudo o que deveriam ser
e aqueles que deveriam ser diferentes do que são, expõe a ideia de que a
sociedade também apresenta patologias (anomia), chegou mesmo a comparar a
contradição entre pessoas doentes sem sintomas, e pessoas sãs que até podem vir
a ter algum tipo de prazer com o sofrimento, isto para mostrar que nem tudo é
mau na sociedade apesar de aparentar ser, está questão é fulcral para se poder
entender qual é o papel da sociologia como ciência, Durkheim (1998: 69),
afirmando que o crime mesmo sendo detestado em sociedade não deixa de ser um
acontecimento social necessário, visto contribuir para a evolução normal da
moral e do direito, e afirmou: “Nada é bom indefinidamente e sem limite”, logo
o crime desempenharia um papel útil na evolução da sociedade, Durkheim (1998:
89 e 90)
2.4 – A constituição dos tipos sociais
Nesta obra, afirma que a Horda é o segmento social mais elementar para a
definição dos tipos sociais, pois não abrange e nem abrangeu nenhum outro tipo
social, como tal isto é uma sociedade simples, Durkheim (1998: 101), isto
devido ao facto de não se poder classificar e inventariar todas as
característica de um só individuo, e cada individuo ser um todo infinito, como
tal cada homem é em si um universo, portanto só o conjunto dos indivíduos
enquanto sociedade é que poderá ser estudado pela sociologia.
É pois a partir desta Horda que se irá construir uma
escala social para fins de estudo científico, partindo da horda para o clã, do
clã para a tribo, da tribo paras as sociedades ou grupos polisegmentados
simples, depois para os polisegmentados compostos e para os grupos ou sociedade
polisegmentados duplamente compostos, feita pela fusão de grupos similares,
Durkheim (1998: 102).
2.5 – Explicar os factos sociais
Os fenómenos não se explicam só pelas funções que exercem na sociedade, ou
seja pelo seu papel, segundo Durkheim os factos sociais não existem para um
papel específico tal como via a maioria dos sociólogos, Durkheim (1998: 107).
Durkheim afirmou ainda que “…quando tentamos explicar um fenómeno social,
devemos investigar separadamente a causa eficiente que o produz e a função que
desempenha, Durkheim (1998: 112).
3 – São reais os factos sociais?
John Hund, escreveu na revista “The British Journal of Sociology uma
clarificação do pensamento sociológico de Durkheim e ao mesmo tempo uma defesa,
afirmando que os factos sociais são reais, que constrangem as pessoas e que de
facto existe de forma independente e externa dos indivíduos.
No artigo acima, Hund, afirma que a filosofa moral Ruth Philippa Foot
(recentemente falecida) defendia o facto social e afirmara que havia
antropólogos que olhavam para a moral sem ver nela um facto social, pois a
moral sofre a influência do todo social. Sendo coerciva, geral e exterior.Hund
afirma no seu texto em defesa do facto social, que os diferentes papeis que são
exercidos em sociedade, por estarem relacionados psicologicamente com
sentimentos, motivações e crenças, são factos sociais, e que os sujeitos destes
papéis são portadores de direitos e deveres que definem os mesmos papéis. Hund
(1982: 276).
4 – Conclusão
A sociologia, demorou para se emancipar da filosofia,
faltava-lhe um método, faltava-lhe um objecto de estudo, e claro faltava-lhe
uma pessoa capaz de reorganizar o pensamento sociológico, tal como veio a ser
feito por Èmile Durkheim, se não o pai da sociologia, talvez o principal dos
seus fundadores, sendo o primeiro a leccionar Sociologia na Sorbone, talvez
tivesse mais para dar à sociologia, morreu em 1917 ainda antes de acabar a I
Grande Guerra Mundial de 1914-1918 onde inclusive perdeu seu filho Andrés e
alguns dos seus discípulos, no entanto a sociologia não seria mais a mesma após
Durkheim e a sua obra.As regras do método sociológico, são o marco fundador da
sociologia como ciência, a par de outros livros como O suicídio e Da divisão do
trabalho social bem como diversos textos que sendo bastante claros deixam-nos
conhecer o pensamento do seu autor de uma forma clara. Aron (2000: 352-360).
Referências Bibliográficas
LIVROS Durkheim,
Émile – As regras do método sociológico, Editorial Presença 1998
Aron, Raymond – As etapas do pensamento sociológico, Publicações Dom Quixote,
2000
JSTOR
http://www.jstor.org/stable/589936
WEB
http://www.infopedia.pt/$facto-social
http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm
ENCICLOPÉDIA
Britannica Encyclopedia – Émile Durkheim, pp 294-295
Autor Filipe de Freitas Leal
Sobre o Autor
Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, estudou Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Estagiou como Técnico de Intervenção Social numa Instituição vocacionada à reinserção social de ex-reclusos e apoio a famílias em vulnerabilidade social, é blogger desde 2007, de cariz humanista, também dedica-se a outros blogs de temas diversos.