terça-feira, 17 de abril de 2012

O Status e seus dilemas na Visão de Everett Hughes

1 – Introdução e Resumo

"A História da Sociedade até aos nossos dias
é a História da Luta de Classes”
Karl Marx

O presente trabalho aborda de forma concisa, a visão sociológica, de Everett Carrington Hughes, sobre dilemas e contradições referentes à mobilidade social, e na luta pela ascensão social, que através da formação e qualificação, permitem a prática profissional e a conquista de um “status” almejado por muitos, mas conquistado por poucos, que é o que ilustra a frase de Karl Marx acima, ou seja a luta de classes.

Os dilemas referem-se sobretudo às diferenças e desigualdades surgidas no seio da sociedade em meio a essas lutas de poder e reconhecimento social, mas também da interação social no modo como os indivíduos de diferentes classes sociais, ocupações e profissões. se vêm e se relacionam entre si, baseados em princípios e valores culturais, costumes, tradições, mas também muito imbuídos de estereótipos e preconceitos quer sejam raciais, étnicos, religiosos ou de género.

Trata-se pois dos diversos modos de discriminação que estão ligados, direta ou indiretamente ao Status, uma delas é sem sombra de dúvida a discriminação de género, tendo em conta contudo que outros tipos de discriminação também influenciam o status social e a mobilidade social, podendo limitar o acesso ao mercado de trabalho por exemplo[1], tal como a que se refere à discriminação etária, em que uns são excessivamente novos para ingressar no mercado de trabalho, e outros excessivamente velhos para nele se manterem, trata-se de uma discriminação que é tabu mas existe[2], consequentemente vem gerar uma clara exclusão social das pessoas mais velhas, quando perdem o emprego, dos jovens que o não conseguem, ou ainda dos trabalhadores indiferenciados, que por não terem uma formação e qualificação profissional adequada, acabam por ter que aceitar contratos precários, enfim há uma série de discriminações, que são sobretudo visíveis através do mundo do trabalho, que geram aquilo a que Hughes vem chamar de dilemas e contradições do status social.

Everett Cherrington Hughes (1897-1983), sociólogo norte-americano, estudou de 1923 a 1928 no Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Chicago, tendo sido um aluno brilhante e foi mais conhecido como sociólogo da segunda geração da Escola de Chicago, estando voltado para as questões raciais, do trabalho e das profissões, tendo sido nesta última um dos pioneiros da Sociologia das Profissões, pelo que este seu artigo escrito no American Journal of Sociology aborda esse tema, que lhe era familiar, e fê-lo influenciado à luz da escola de Chicago e da corrente do Interacionismo simbólico.[3]

Neste artigo aqui analisado, escrito em 1945, por Hughes  para a revista “The American Journal of Sociology”, e intitulado de "Dilemmas and Contradictions of Status", em que referia que nunca antes e em nenhuma outra sociedade, tivesse havido tanta diversidade de status, como acontece nas sociedades ocidentais de hoje em dia,[4] em particular na sociedade americana do seu tempo, em que há uma grande heterogeneidade e movimentação social mas continuando a ter a ênfase nos indivíduos de raça branca, homens, protestantes, da classe média e de origem anglo-saxónica.[5]

Hughes afirma ainda que as posições sociais podem permitir a mobilidade, através da realização pessoal, quer pela  qualificação, quer pela formação, permitindo assim o acesso a um status  ao contrário do que antes fora por nascimento e origem.[6] No entanto o modo como se pode processar a mobilidade social de status, quer seja profissional ou de uma outra ocupação, bem como de género, raça, etnia e credo, que vem gerar sempre alguma confusão, e fazendo surgir contradições e dilemas nesse processo.

Corroborando esta ideia, afirma Hughes, que um indivíduo só será aceite como médico, mediante uma licenciatura, por exemplo, ou seja é condição sine qua non que para se obter o status de médico terá de se obter formação e qualificação de nível superior, que de outro modo não será válido e nem possível.

Mas Hughes afirma ainda, que na diferenciação ou acesso de status, estão também presentes os preconceitos de género e de raça que permitem ou impedem a mobilidade social, mesmo a pessoas que tenham obtido uma formação superior e qualificação adequada para serem médicos, sofrem ainda uma forma de exclusão por motivos raciais, deu o exemplo de um médico negro nos Estados Unidos, que ao socorrer um individuo branco e o acompanhar até o hospital, fora impedido de entrar, nem mesmo para dar explicações do socorro prestado e do estado do sinistrado, portanto claramente ainda que se tenha um diploma e uma profissão clássica respeitável, o racismo fora determinante na exclusão daquele médico negro.[7]

Hughes mostra a contradição deste preconceito, quando ilustra de modo cabal, que a maioria dos norte-americanos de qualquer categoria social aceitam sem reservas ser atendidos por um médico branco, protestante, com origens em famílias anglo-saxónicas da classe média, mas recusam um médico negro, ou de qualquer outra categoria, bem como o facto de um católico poder preferir ser atendido por um médico da sua fé, por motivos estritamente de conforto espiritual por exemplo.

Mas em se tratando de emergências, as pessoas normalmente aceitam ser tratadas por médicos de outras etnias e comunidades religiosas, ou então em caso de um médico que tenha adquirido fama e respeitabilidade.

Ilustrou ainda no seu artigo como exemplo, o facto de os homens serem os únicos a ter acesso à hierarquia eclesial da Igreja Católica Romana, com a flagrante contradição de que as mulheres são mais religiosas que os homens, e que para além de fazerem parte da maior fatia de fiéis da Igreja estão impedidas no entanto de ter acesso ao sacerdócio, também refere que nas grandes empresas e na indústria, os cargos são maioritariamente ocupados por homens, como sejam engenheiros, advogados, médicos, os gestores (sobretudo de topo) e supervisores serem maioritariamente do sexo masculino, o que é claramente uma exclusão social de género.[8]

 

2 – Análise do Artigo de Everett C. Hughes


"A coisa mais importante para toda a vida
é a escolha da profissão:
Blaise Pascal

Antes de tudo, gostaria de situar o artigo e também o autor, no que é o seu tempo e o seu espaço geográfico quando da edição do seu artigo, que nos mostram assim uma visão da sociedade e das circunstâncias, em que o artigo foi produzido, não negando de forma alguma a pertinência e a atualidade do mesmo; Falo de uma sociedade altamente influenciada pela II Guerra Mundial, do apogeu crescente dos Estados Unidos da América no Mundo e em particular na Europa, em franco desenvolvimento, tornando-se cada vez mais uma potencia económica (Plano Marshall) e uma potencia Politica e militar (onde imperou a Guerra Fria – confronto ideológico com o bloco socialista-soviético dominado pela U.R.S.S.), era também uma sociedade conservadora, onde os Estados Unidos, tinham uma política de segregação racial, tema por sinal estudado por Hughes em vários dos seus trabalhos, Hughes afirmava que os estudantes de sociologia e mesmo a maioria dos sociólogos do seu tempo eram marxistas, senão mesmo comunistas. antes da Segunda Guerra Mundial.

Antes de mais, a corrente que influenciou Everett C. Hughes, e da qual ele foi também um teórico, foi o estruturalismo simbólico da segunda geração da escola de Chicago.

As primeiras abordagens sociológica sobre as profissões e ocupações, foram fundamentalmente funcionalistas, no plano conceptual, em que entendiam a sociedade como um todo orgânico e equilibrado, em que os diversos elementos da mesma se integravam pela sua utilidade ou função. Por outro lado o interaccionismo simbólico, tem uma visão diferente do processo social, em particular no aspeto da estratificação social ligado às profissões e ocupações, vendo na interação dos indivíduos e dos grupos e da dinâmica daí surgida, tendo o estudo das profissões sido abordado por quatro períodos, o primeiro dos quais fez parte Everett C, Hughes, que foi um dos primeiros sociólogos a estudar as profissões e o status a elas ligado.[9]

No seu livro “Sociology” Anthony Giddens, fala-nos da mobilidade descendente, um fenómeno novo na mobilidade social, em que as pessoas envolvidas perdem o status herdado por não serem capazes emocionalmente ou mentalmente de o manter, muito associado a problemas de ordem psicológica, mas a mobilidade descendente pode ter também como causa afirma Giddens no desemprego, ou na mudança de emprego com um rendimento inferior, o autor afirma ainda que a mobilidade social está também presente na discriminação de género.[10]

Segundo Phillipe Riotort, foi Karl Marx quem inventou o termo classe social, mas que não podem dizer respeito apenas à sociedade industrial, são segundo o autor, grupos antagónicos que se opões uns aos outro pela posse dos meios de produção, que faz com que a pertença a uma dada classe social seja associada a um critério que é fundamentalmente objetivo, ou seja tem também um fim em si,[11] que passa pela detenção do capital, como fábricas, máquinas e também de títulos financeiros, estando a classe trabalhadora do outro lado da barricada vendendo a sua força de trabalho e criando o que é denominado por Marx como a MAIS-VALIA.

Marx via também um critério subjetivo nas classes sociais, tal como o faz o interacionismo simbólico do qual Hughes era mentor.[12], e esse critério subjetivo é o que se pode dizer de um sentimento de pertença a uma classe social e o que ela pode ou não representar.

Como Riutort afirmou, não podemos limitar o estudo da teoria das classes e estratificação e da mobilidade social apenas a Marx, Max Weber é também importante, pois diverge de Marx em aspetos importantes, não fala de classes reais, mas de classe que estão intimamente ligadas com o que chama de dimensões ou campos, como o económico, o estatutáro e o político, dá o exemplo de um líder sindical que pode ter uma posição elevada na esfera política mas uma posição baixa na esfera económica.

Riutort afirma em seu livro que “a estratificação é também abordada por Pierre Bordieu, que fala do espaço social e dos aspetos relacional, referentes à posição social e dos aspeto dinâmico referente à posição social e aos estilos de vida a ela ligados, sendo a estrutura desse espaço social baseada numa “estrutura do Capital” que são os mais variados recursos sociais como por exemplo o capital cultural, o capital social, e por conseguinte tem-se o volume de capital, que é a diferenciação de um profissional liberal e de um lavrador analfabeto que estão em campos opostos na distribuição desse capital”[13]

 

3 – A Estratificação e a mobilidade social


"A História da Sociedade até aos nossos dias
é a História da Luta de Classes”
Karl Marx

O tema abordado neste artigo, é de igual modo abordado por outros sociólogos, que convergem em grande parte com as questões de status, estratificação e mobilidade social, tais como os autores referidos por Phillipe Riutort, no seu livro “Primeiras Lições de Sociologia”, no qual refere as varias formas de estratificação e a mobilidade social, de diferentes culturas, tal como as castas no hinduísmo, ou de diferentes correntes ideológicas e sociológicas como a teoria de Karl Marx e a luta de classes nos seus escritos teóricos como “O Capital”, fala ainda de Max Weber e a teoria das dimensões económica, estatutária e política na questão da estratificação social, e não esquecendo claro Pierre Bordieu, e o espaço social com os aspetos dinâmico e relacional, ou do capital económico, capital cultural e capital social na construção da estrutura social.[14]

4 – Conclusão

"Ama a modesta profissão que aprendeste
E contenta-te com ela"
Marco Aurélio

Everett C. Hughes, com este artigo, permite-nos fazer uma ponte com toda a certeza, entre o modo como em sociedade se constrói a estratificação das classes sociais e da mobilidade social entre classes e o papel fundamental das profissões e das demais ocupações nesse processo social dinâmico, em que há contradições de dilemas.

Ilustrando as contradições criadas no processo social, posso referir o pensamento de Karl Marx, que interpretava em toda a sua obra o antagonismo da estrutura social estar baseada fundamentalmente no modelo capitalista, e isto é patente em toda a sua obra, quer seja na sua mais célebre obra “O Capital”, quer seja no prefácio à “Contribuição para a Critica da Economia Política” ou mais elucidativamente no “Manifesto do Partido Comunista”, no qual afirma “A História de todas as sociedades até aos nossos dias, é a história da luta de classes” (Manifesto Comunista, Obras pp 161-162)[15], O estrato social está relacionado mais aproximadamente à noção de estatuto, sendo que ao contrário do estatuto, a estratificação faz uma hierarquização social global.[16], sendo que segundo a pertença a uma classe social pressupõe um grau de fechamento, ou seja controlo de entrada e saída, seletividade, um sentimento de pertença partilhado pelos indivíduos da mesma classe ou grupo e uma mobilidade de curto ou amplo alcance.[17]


5 – Bibliografia


ARON, Raymond (2010), “As Etapas do Pensamento Sociológico; Pgs 152; Dom Quixote, Lisboa
ARAÚJO, Emilia e Outros (2011), “Introdução à Sociologia das Classes e da Estratificação Social; Pgs 12; Edições Ecopy, Ermesinde.
CARDIM, José.C e MIRANDA, Rosária R. (2007), “O Universo das Profissões”; Pgs 77-78; ISCSP/UTL,
GIDDENS, Anthony (2007), “Sociologia”, 5ª edição; Pgs 303-305; Fundação Gulbenkian, Lisboa.
RIOUTORT, Philippe (1996), “Primeiras Lições de Sociologia; Pgs 107-118; Gradiva, Lisboa.


[1] Hughes, Everett C. (1945) Dilemmas and contradictions of status – The American Journal of Sociology, Vol. 50 pp. 356
[2] Aguiar, Carla – Discriminação etária é tabu mas existe” DN Diário de Notícias, Lisboa 28/08/2006 consultado na internet, acesso 17/04/2012 Link: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=645196
[3] Castro, Celso e Oliveira, M. Pombo (2005) Revista Teoria e Pesquisa N.º 46 – janeiro - Ciclos, pontos de inflexão e carreiras. De Everett C. Hughes.
[4] Há que ter em conta o contexto cultural, espacial e temporal, em que o artigo se insere (1945) e da dinâmica social, permite-nos observar que há uma evolução e mudanças continuas nos processos sociais.
[5] Hughes, Everett C. (1945) Dilemmas and contradictions of status – The American Journal of Sociology, Vol. 50 pp. 356
[6] Idem - pp. 353
[7] Idem - pp. 354
[8] Devemos no entanto ter em conta o ano da autoria deste artigo (1945) de lá para cá a situação tem vindo a se alterar gradativamente, mas continua a haver segregação do sexo feminino no acesso às carreiras de topo
[9] Cardim, J. C e Miranda, R. R (2007) “O Universo da Profissões” Pgs. 77-78 ISCSP, Lisboa
[10] GIDDENS, Anthony (2007), “Sociologia”, 5ª edição; Pgs 303-305; Fundação Gulbenkian, Lisboa.
[11] Rioutort, Philipe (1996) Primeiras Lições de Sociologia, Pgs 108 – Gradiva, Lisboa
[12] Idem. Pg 109.
[13] Idem, Pgs. 114-115
[14] Idem, Pgs 107-118
[15] Aron, Raymond (2010) As Etapas do Pensamento Sociológico, Pg, 152 – Dom Quixote, Lisboa
[16] ARAÚJO, Emilia e Outros (2011), “Introdução à Sociologia das Classes e da Estratificação Social; Pgs 12; Edições Ecopy, Ermesinde.
[17] Idem. 


Trabalho Académico de Sociologia das Profissões
Licenciatura em Serviço Social - 2ºAno - 2º Semestre (ISCSP/UTL)
Orientadora:
Professora Doutora Maria de Lurdes Fonseca
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Autor do blog Filipe de Freitas Leal

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Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, estudou Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Estagiou como Técnico de Intervenção Social numa Instituição vocacionada à reinserção social de ex-reclusos e apoio a famílias em vulnerabilidade social, é blogger desde 2007, de cariz humanista, também dedica-se a outros blogs de temas diversos.

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