1 – Introdução e Resumo
"A História da Sociedade até aos nossos dias
é a História da Luta de Classes”
Karl Marx
O presente trabalho aborda de forma concisa, a visão sociológica, de Everett Carrington Hughes,
sobre dilemas e contradições referentes à mobilidade social, e na luta pela
ascensão social, que através da formação e qualificação, permitem a prática
profissional e a conquista de um “status” almejado por muitos, mas conquistado
por poucos, que é o que ilustra a frase de Karl Marx acima, ou seja a luta de
classes.
Os dilemas referem-se sobretudo às diferenças e desigualdades surgidas no
seio da sociedade em meio a essas lutas de poder e reconhecimento social, mas
também da interação social no modo como os indivíduos de diferentes classes
sociais, ocupações e profissões. se vêm e se relacionam entre si, baseados em
princípios e valores culturais, costumes, tradições, mas também muito imbuídos
de estereótipos e preconceitos quer sejam raciais, étnicos, religiosos ou de
género.
Trata-se pois dos diversos modos de discriminação que estão ligados, direta
ou indiretamente ao Status, uma delas é sem sombra de dúvida a discriminação de
género, tendo em conta contudo que outros tipos de discriminação também influenciam
o status social e a mobilidade social, podendo limitar o acesso ao mercado de
trabalho por exemplo[1], tal como a que se refere à
discriminação etária, em que uns são excessivamente novos para ingressar no
mercado de trabalho, e outros excessivamente velhos para nele se manterem,
trata-se de uma discriminação que é tabu mas existe[2], consequentemente vem gerar uma clara exclusão social das pessoas mais
velhas, quando perdem o emprego, dos jovens que o não conseguem, ou ainda dos
trabalhadores indiferenciados, que por não terem uma formação e qualificação
profissional adequada, acabam por ter que aceitar contratos precários, enfim há
uma série de discriminações, que são sobretudo visíveis através do mundo do
trabalho, que geram aquilo a que Hughes vem chamar de dilemas e contradições do
status social.
Everett Cherrington Hughes (1897-1983), sociólogo norte-americano, estudou de 1923 a 1928 no Departamento
de Sociologia e Antropologia da Universidade de Chicago, tendo sido um aluno
brilhante e foi mais conhecido como sociólogo da segunda geração da Escola de
Chicago, estando voltado para as questões raciais, do trabalho e das
profissões, tendo sido nesta última um dos pioneiros da Sociologia das Profissões,
pelo que este seu artigo escrito no American Journal of Sociology aborda esse
tema, que lhe era familiar, e fê-lo influenciado à luz da escola de Chicago e
da corrente do Interacionismo simbólico.[3]
Neste artigo aqui analisado, escrito em 1945, por Hughes para a
revista “The American Journal of Sociology”, e intitulado de "Dilemmas
and Contradictions of Status", em que referia que nunca antes
e em nenhuma outra sociedade, tivesse havido tanta diversidade de status, como
acontece nas sociedades ocidentais de hoje em dia,[4] em particular na sociedade americana do seu tempo, em que há uma
grande heterogeneidade e movimentação social mas continuando a ter a ênfase nos
indivíduos de raça branca, homens, protestantes, da classe média e de origem
anglo-saxónica.[5]
Hughes afirma ainda que as posições
sociais podem permitir a mobilidade, através da realização pessoal, quer
pela qualificação, quer pela formação, permitindo assim o acesso a
um status ao contrário do que antes fora por nascimento e origem.[6] No entanto o modo como se pode processar a mobilidade social de
status, quer seja profissional ou de uma outra ocupação, bem como de género,
raça, etnia e credo, que vem gerar sempre alguma confusão, e fazendo surgir
contradições e dilemas nesse processo.
Corroborando esta ideia, afirma Hughes,
que um indivíduo só será aceite como médico, mediante uma licenciatura, por
exemplo, ou seja é condição sine
qua non que para se obter
o status de médico terá de se obter formação e qualificação de nível superior,
que de outro modo não será válido e nem possível.
Mas Hughes afirma ainda, que na
diferenciação ou acesso de status, estão também presentes os preconceitos de
género e de raça que permitem ou impedem a mobilidade social, mesmo a pessoas
que tenham obtido uma formação superior e qualificação adequada para serem
médicos, sofrem ainda uma forma de exclusão por motivos raciais, deu o exemplo
de um médico negro nos Estados Unidos, que ao socorrer um individuo branco e o
acompanhar até o hospital, fora impedido de entrar, nem mesmo para dar
explicações do socorro prestado e do estado do sinistrado, portanto claramente
ainda que se tenha um diploma e uma profissão clássica respeitável, o racismo
fora determinante na exclusão daquele médico negro.[7]
Hughes mostra a contradição deste
preconceito, quando ilustra de modo cabal, que a maioria dos norte-americanos
de qualquer categoria social aceitam sem reservas ser atendidos por um médico
branco, protestante, com origens em famílias anglo-saxónicas da classe média,
mas recusam um médico negro, ou de qualquer outra categoria, bem como o facto
de um católico poder preferir ser atendido por um médico da sua fé, por motivos
estritamente de conforto espiritual por exemplo.
Mas em se tratando de emergências, as
pessoas normalmente aceitam ser tratadas por médicos de outras etnias e
comunidades religiosas, ou então em caso de um médico que tenha adquirido fama
e respeitabilidade.
Ilustrou ainda no seu artigo como
exemplo, o facto de os homens serem os únicos a ter acesso à hierarquia
eclesial da Igreja Católica Romana, com a flagrante contradição de que as
mulheres são mais religiosas que os homens, e que para além de fazerem parte da
maior fatia de fiéis da Igreja estão impedidas no entanto de ter acesso ao
sacerdócio, também refere que nas grandes empresas e na indústria, os cargos
são maioritariamente ocupados por homens, como sejam engenheiros, advogados,
médicos, os gestores (sobretudo de topo) e supervisores serem maioritariamente
do sexo masculino, o que é claramente uma exclusão social de género.[8]
2 – Análise do Artigo de Everett C. Hughes
"A coisa
mais importante para toda a vida
é a escolha da
profissão:
Blaise Pascal
Antes de tudo, gostaria de situar o artigo e também o autor, no que é o seu
tempo e o seu espaço geográfico quando da edição do seu artigo, que nos mostram
assim uma visão da sociedade e das circunstâncias, em que o artigo foi
produzido, não negando de forma alguma a pertinência e a atualidade do mesmo;
Falo de uma sociedade altamente influenciada pela II Guerra Mundial, do apogeu
crescente dos Estados Unidos da América no Mundo e em particular na Europa, em
franco desenvolvimento, tornando-se cada vez mais uma potencia económica (Plano
Marshall) e uma potencia Politica e militar (onde imperou a Guerra Fria –
confronto ideológico com o bloco socialista-soviético dominado pela U.R.S.S.),
era também uma sociedade conservadora, onde os Estados Unidos, tinham uma
política de segregação racial, tema por sinal estudado por Hughes em vários dos
seus trabalhos, Hughes afirmava que os estudantes de sociologia e mesmo a
maioria dos sociólogos do seu tempo eram marxistas, senão mesmo comunistas.
antes da Segunda Guerra Mundial.
Antes de mais, a corrente que influenciou Everett C. Hughes, e da qual ele
foi também um teórico, foi o estruturalismo
simbólico da segunda
geração da escola de Chicago.
As primeiras abordagens sociológica sobre as profissões e ocupações, foram
fundamentalmente funcionalistas,
no plano conceptual, em que entendiam a sociedade como um todo orgânico e
equilibrado, em que os diversos elementos da mesma se integravam pela sua
utilidade ou função. Por outro lado o interaccionismo
simbólico, tem uma visão diferente do processo social, em
particular no aspeto da estratificação social ligado às profissões e ocupações,
vendo na interação dos indivíduos e dos grupos e da dinâmica daí surgida, tendo
o estudo das profissões sido abordado por quatro períodos, o primeiro dos quais
fez parte Everett C, Hughes,
que foi um dos primeiros sociólogos a estudar as profissões e o status a elas
ligado.[9]
No seu livro “Sociology” Anthony Giddens, fala-nos da mobilidade descendente,
um fenómeno novo na mobilidade social, em que as pessoas envolvidas perdem o
status herdado por não serem capazes emocionalmente ou mentalmente de o manter,
muito associado a problemas de ordem psicológica, mas a mobilidade descendente
pode ter também como causa afirma Giddens no desemprego, ou na mudança de
emprego com um rendimento inferior, o autor afirma ainda que a mobilidade
social está também presente na discriminação de género.[10]
Segundo Phillipe Riotort, foi Karl Marx quem inventou o termo classe
social, mas que não podem dizer respeito apenas à sociedade industrial, são
segundo o autor, grupos antagónicos que se opões uns aos outro pela posse dos
meios de produção, que faz com que a pertença a uma dada classe social seja
associada a um critério que é fundamentalmente objetivo, ou seja tem também um
fim em si,[11] que
passa pela detenção do capital, como fábricas, máquinas e também de títulos
financeiros, estando a classe trabalhadora do outro lado da barricada vendendo
a sua força de trabalho e criando o que é denominado por Marx como a
MAIS-VALIA.
Marx via também um critério subjetivo nas classes sociais, tal como o faz o
interacionismo simbólico do qual Hughes era mentor.[12], e esse critério subjetivo é o que se pode dizer de um sentimento de
pertença a uma classe social e o que ela pode ou não representar.
Como Riutort afirmou, não podemos limitar o estudo da teoria das classes e
estratificação e da mobilidade social apenas a Marx, Max Weber é também
importante, pois diverge de Marx em aspetos importantes, não fala de classes
reais, mas de classe que estão intimamente ligadas com o que chama de dimensões
ou campos, como o económico, o estatutáro e o político, dá o exemplo de um
líder sindical que pode ter uma posição elevada na esfera política mas uma
posição baixa na esfera económica.
Riutort afirma em seu livro que “a estratificação é também abordada por
Pierre Bordieu, que fala do espaço social e dos aspetos relacional, referentes
à posição social e dos aspeto dinâmico referente à posição social e aos estilos
de vida a ela ligados, sendo a estrutura desse espaço social baseada numa
“estrutura do Capital” que são os mais variados recursos sociais como por exemplo
o capital cultural, o capital social, e por conseguinte tem-se o volume de
capital, que é a diferenciação de um profissional liberal e de um lavrador
analfabeto que estão em campos opostos na distribuição desse capital”[13]
3 – A Estratificação e a mobilidade social
"A História da Sociedade até aos nossos dias
é a História da Luta de Classes”
Karl Marx
O tema abordado neste artigo, é de igual modo abordado por outros
sociólogos, que convergem em grande parte com as questões de status,
estratificação e mobilidade social, tais como os autores referidos por Phillipe
Riutort, no seu livro “Primeiras Lições de Sociologia”, no qual refere as
varias formas de estratificação e a mobilidade social, de diferentes culturas,
tal como as castas no hinduísmo, ou de diferentes correntes ideológicas e
sociológicas como a teoria de Karl Marx e a luta de classes nos seus escritos
teóricos como “O Capital”, fala ainda de Max Weber e a teoria das dimensões
económica, estatutária e política na questão da estratificação social, e não
esquecendo claro Pierre Bordieu, e o espaço social com os aspetos dinâmico e
relacional, ou do capital económico, capital cultural e capital social na
construção da estrutura social.[14]
4 – Conclusão
"Ama a
modesta profissão que aprendeste
E contenta-te
com ela"
Marco
Aurélio
Everett C. Hughes, com este artigo, permite-nos fazer uma ponte com toda a
certeza, entre o modo como em sociedade se constrói a estratificação das
classes sociais e da mobilidade social entre classes e o papel fundamental das
profissões e das demais ocupações nesse processo social dinâmico, em que há
contradições de dilemas.
Ilustrando as contradições criadas no processo social, posso referir o
pensamento de Karl Marx, que interpretava em toda a sua obra o antagonismo da
estrutura social estar baseada fundamentalmente no modelo capitalista, e isto é
patente em toda a sua obra, quer seja na sua mais célebre obra “O Capital”,
quer seja no prefácio à “Contribuição para a Critica da Economia Política” ou
mais elucidativamente no “Manifesto do Partido Comunista”, no qual afirma “A História de todas as sociedades
até aos nossos dias, é a história da luta de classes” (Manifesto Comunista, Obras pp 161-162)[15], O estrato social está relacionado mais aproximadamente à noção de
estatuto, sendo que ao contrário do estatuto, a estratificação faz uma
hierarquização social global.[16], sendo que segundo a pertença a uma classe social pressupõe um grau de
fechamento, ou seja controlo de entrada e saída, seletividade, um sentimento de
pertença partilhado pelos indivíduos da mesma classe ou grupo e uma mobilidade
de curto ou amplo alcance.[17]
5 – Bibliografia
ARON, Raymond (2010), “As Etapas do
Pensamento Sociológico”; Pgs 152; Dom
Quixote, Lisboa
ARAÚJO, Emilia e Outros (2011), “Introdução à
Sociologia das Classes e da Estratificação Social”; Pgs 12; Edições Ecopy, Ermesinde.
CARDIM, José.C e MIRANDA, Rosária R. (2007),
“O Universo das Profissões”; Pgs 77-78; ISCSP/UTL,
GIDDENS, Anthony (2007), “Sociologia”,
5ª edição; Pgs 303-305; Fundação Gulbenkian,
Lisboa.
RIOUTORT, Philippe (1996), “Primeiras
Lições de Sociologia”; Pgs 107-118; Gradiva,
Lisboa.
[1] Hughes, Everett C. (1945)
Dilemmas and contradictions of status – The American Journal of Sociology, Vol.
50 pp. 356
[2] Aguiar, Carla – Discriminação etária é tabu
mas existe” DN Diário de Notícias, Lisboa 28/08/2006 consultado na internet,
acesso 17/04/2012 Link: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=645196
[3] Castro, Celso e Oliveira, M. Pombo (2005)
Revista Teoria e Pesquisa N.º 46 – janeiro - Ciclos, pontos de inflexão e
carreiras. De Everett C. Hughes.
[4] Há que ter em conta o contexto cultural,
espacial e temporal, em que o artigo se insere (1945) e
da dinâmica social, permite-nos observar que há uma evolução e
mudanças continuas nos processos sociais.
[5] Hughes, Everett C. (1945) Dilemmas and contradictions of
status – The American Journal of Sociology, Vol. 50 pp. 356
[8] Devemos no entanto ter em conta o ano da
autoria deste artigo (1945) de lá para cá a situação tem vindo a se alterar
gradativamente, mas continua a haver segregação do sexo feminino no acesso às
carreiras de topo
[16] ARAÚJO, Emilia e Outros (2011), “Introdução à Sociologia das Classes
e da Estratificação Social”; Pgs 12; Edições
Ecopy, Ermesinde.
[17] Idem.
Trabalho Académico de Sociologia das Profissões
Licenciatura em Serviço Social - 2ºAno - 2º Semestre (ISCSP/UTL)
Orientadora:
Professora Doutora Maria de Lurdes Fonseca
Professora Doutora Maria de Lurdes Fonseca
0 comentários:
Enviar um comentário