quinta-feira, 31 de março de 2022

Os Golpes de Estado na Bolívia nos anos 70 e 80


 

A Situação durante e no Pós-Guerra Fria

Autor: Filipe de Freitas Leal - Junho 2021
Trabalho da Disciplina de Ciência Política / Estudos Sul Americanos do Mestrado de Sociologia.

Introdução
1 – Objetivo do presente Estudo
2 – Conceitos
3 – Contextualização
4 – A intermitência golpista e a democracia no fio da navalha
5 – A Instabilidade Política do “Empantanamiento”
6 – O Golpe do “Día de los muertos” e a solução política
7 – Os Golpes, o Narcotráfico e o assassinato de Marcelo Quiroga Santa Cruz
8 – A ascensão de Evo Morales e o projeto do MAS
9 – A importância da Bolívia no plano internacional e conclusão do estudo
Bibliografia

Introdução

O presente trabalho baseia-se num episódio denominado de ‘La noche del dia de los muertos’ pertencente a uma série documental produzido pela produtora ‘Plano Médio’ e difundida pela televisão boliviana, denominada de ‘Bolívia Siglo XX’ apresentada e narrada por Carlos D. Mesa. E que ilustram bem a Bolívia durante o período de Guerra Fria, e da influência estadunidense na política interna dos países sul-americanos, no que concerne a impedir a ascensão de movimentos e partidos de esquerda, fazendo com que a Bolívia fosse na altura uma democracia intermitente, ou seja, que apesar de eleições livres, a democracia fosse constantemente interrompida por golpes militares reacionários, mantendo o controlo político e social nas mãos do exército.

Muitos golpes de estado foram efetuados na Bolívia, desde os anos 50 do século XX, sentindo-se mais acentuadamente desde 1964 até 1980, com o último grande e sangrento golpe militar, do General Garcia Mesa, que juntamente com outros membros da cúpula das forças armadas que estavam implicados com o narcotráfico.

Os antecedentes do golpe militar de Natusch Busch, foram o impasse político gerado por um empate técnico nas eleições presidenciais de 1979, os candidatos Hernan Siles Suazo da UDP e Victor Paz Estensoro da aliança MNR-PDC, empataram, a constituição impunha que em caso de empate técnico, o  Presidente da República seria escolhido por uma eleição indireta no Parlamento entre os três primeiros colocados, como não se encontrou uma solução parlamentar, gerou-se um impasse político denominado de “Empantanamiento” (atolamento); foi então sugerido por um deputado da ADN, que fosse eleito pelo Congresso de Deputados o Presidente do Senado Walter Guevara Arze do MNR, como Presidente Interino, tendo tomado posse a 8 de agosto de 1979 e governou sem apoio partidário até ao golpe militar de 1 de novembro de 1979 na véspera do dia de finados.

Palavras-Chave: Ditadura Militar, “Empantanamiento” (atolamento), Golpe de Estado, Guerra Fria, Hegemonia política, Instabilidade política.

1 – Objetivo do presente estudo

Tal como indicado em parte na introdução, o objetivo deste trabalho, é compreender em que medida a Bolívia funcionava politicamente durante a Guerra-Fria e como se reestruturou no Pós-guerra fria, por um lado verificamos um período de Golpes de Estado, que tinham como intenção o esmagamento da democracia e em particular das forças de esquerda, quer pela ingerência estadunidense com o apoio dado a governos ditatoriais como o do General Hugo Banzer Suarez, que durou sete anos, de 1970 até 1978.

A situação boliviana não foi um caso isolado, desde 1964 até 1982 o país viveu em regimes militares, com alguma intermitência democrática, mas sempre com a supervisão militar, de igual modo o mesmo se passou em toda a América do Sul com as ditaduras militares, na Argentina com Jorge Videla desde 1976 até 1983, no Brasil com o Regime militar brasileiro de 1964 a 1985, no Chile de Pinochet de 1973 até 1990, Paraguai desde 1954 a 1989 com Alfredo Stroessner, no Perú desde 1968 a 1980, Uruguai de 1973 a 1984, tratava-se de uma época em que a política estadunidense para a América Latina era a de fomentar ditaduras, através de um acordo entre vários países sul-americanos e a CIA, denominado de ‘Operação Condor’ do qual a Bolívia fazia parte.

Outro aspeto importante que pretendemos abordar neste estudo, usando o impasse pós-eleitoral de 1979, é a importância de uma norma constitucional, que regule o sistema  político, bem como o sistema eleitoral, que venha a permitir e garantir a governabilidade e a Estabilidade Política em caso de empates técnicos, como foi o caso da Bolívia, em que os candidatos não disputavam a eleição em duas voltas, gerando-se uma crise política denominada de “empantanamiento” que significa atolamento, e reflete bem a situação política da Bolívia e da recém criada democracia.

Incluímos neste trabalho, a análise de três fenómenos vigentes na política boliviana nos anos 60, 70 e 80 do século XX, a fim de compreendermos a influência negativa de uma Ditadura Militar e da ingerência do exército na vida política e na economia da Bolívia, as consequências negativas da ligação de políticos e militares com o narcotráfico e a violência política, como o assassinato de Marcelo Quiroga Santa Cruz, líder do PS-1, professor universitário, escritor e cineasta, que foi assassinado durante o golpe de Estado de 1980 perpetrado pelo General Garcia Mesa ao derrubar a Presidente Lídia Gueiler.

Por fim, não podemos deixar de focar a transformação da Bolívia no Pós-Guerra fria, em particular com as reformas políticas levadas a cabo pela Hegemonia política de Evo Morales e do MAS, bem como, iremos abordar a Importância da Bolívia no contexto internacional, em particular na América do Sul, deixamos uma ideia dos principais objetivos para a Política Externa boliviana, nomeadamente a reivindicação da recuperação da sua costa marítima de Antofagasta, perdida na Guerra do Pacífico com o Chile tal com referido por Herbert S. Klen no seu livro “A Consise  History fo Bolívia” (KLEIN, 2011).

Por fim, resta-nos dizer, que para além do Contexto particular deste capítulo vivido na história da Bolívia, faz-se necessário também uma clarificação descritiva, como que sirva de ilustração explicativa sobre o pais, dando uma visão ampla de vários aspetos como as várias etnias, um resumo histórico, a economia, a cultura, complementados com dados estatísticos que poderão ajudar-nos a compreender melhor a realidade sociopolítica da Bolívia.

2– Conceitos

Antes de mais, é imperioso que se deixe aqui expresso alguns conceitos que são importantes para o tema deste estudo, vamos assim abordar os conceitos referentes a Ditadura Militar, mais em concreto, no que se passou na América Latina durante a Guerra Fria, não esquecendo que de igual modo são importantes os conceitos políticos de Instabilidade Política, para compreendermos o caso boliviano, numa continua e latente tensão político-militar exemplificado neste estudo, e iremos abordar o conceito de Hegemonia quando referente à ascensão do MAS ao poder com Evo Morales.

a)    Ditadura Militar – Existem três tipos de ditaduras na América do Sul, e que têm diferentes naturezas e objetivos, afirma Miguel Rojas Mix; há as Ditaduras Bananeiras, que fundamenta-se na articulação entre a classe oligárquica e o capital estrangeiro, numa economia de gado e bananas; há ainda as Ditaduras Positivistas, que são as que se opõe à anarquia, impondo uma política económica liberal, são ditaduras que surgiram no final do século XIX e por fim, as Ditaduras Militares integristas, que se constituem como um projeto articulado de Defesa Nacional, mas sem o culto da personalidade como nos regimes fascistas de Salazar, Franco, Mussolini; assim o ditador é apenas o Exército no seu todo, atuando em prol de um bem maior que é a Segurança Nacional, (Barbian, 2008). Escusado é dizer, que as liberdades fundamentais ficam proibidas.

b)    Instabilidade Política – A estabilidade é um elemento fundamental para o bom funcionamento da organização política de um Estado soberano, é precisamente devido a uma especificidade da Constituição boliviana que se gerou o impasse político do “Empantanamiento”, um período de grande instabilidade, pelo facto de não permitir a eleição presidencial a duas voltas, para que um dos candidatos obtivesse mais de 50% dos votos. O Conceito de Instabilidade política é segundo Carlos Pacheco, algo abrange,  num leque variado de definições como “incapacidade de governar”, ou ainda a “falta de rumo”, situações de ”tumultos”, e um despoletar de “tensões”, “mudanças sucessivas de governos”, “mudanças no interior do próprio Governo” ou o “confronto político permanente”, entre outros, no caso particular da Bolívia podemos aferir que se trata de tensões em diferentes níveis e de vários fatores, como as questões ideológicas entre a esquerda e a direita, de um lado com a oligarquia, o exército, o narcotráfico, do outro os indígenas, os trabalhadores, sindicalistas e intelectuais, condições que no tabuleiro da Guerra Fria, tornaram-se verdadeiramente potencializadoras de golpes de Estado. Alberto Alesina, argumenta que “instabilidade política é definida como a propensão para uma mudança no Executivo” (Pacheco, 2012).

c)    Hegemonia política – Este é um conceito que carece de um maior cuidado, Hugues Portelli, afirma no seu livro “Gramsci e o bloco histórico”, que Gramsci foi buscar aos textos de Lenin, as bases para formular o seu conceito sobre hegemonia, que é para ele, de uma forma síncrona, a ‘direção’ e a ‘dominação’ da sociedade, mais precisamente da sociedade civil, e que claramente é marcado pela ideia de “Base Social de Classe”, entendia que as classes que pretendem dominar, buscam alianças com outras classes para aumentar a base social da direção. Foi precisamente isto que Evo Morales conseguiu fazer ao chegar ao poder na Bolívia, aumentando a base social das populações indígenas, o que lhe permitiu uma reforma política de grande envergadura na criação de uma nova ordem República.

3 - Contextualização

Este trabalho foca um período conturbado da história da Bolívia, e carece de uma clarificação de antecedentes históricos, sociais, políticos e até da conjuntura internacional da altura, para que possamos compreende-lo, nesse sentido, deixamos aqui uma descrição concisa da história, da geografia física, humana e política, bem como da economia, cultura e sociedade atual.

História da Bolívia - Inicia-se ainda no período pré-colombiano, acredita-se que já havia sido habitada a partir de 20.000 AEC, muito mais tarde, em 3.000 AEC era iniciada a prática da agricultura no espaço onde hoje é a Bolívia quanto à produção de metal, deu-se aproximadamente 1.500 AEC.

A civilização ameríndia Tiwanaku foi a primeira a surgir no território no século II AEC, mais precisamente ao redor do lago Titicaca, e consta que durou até 1200 EC, o fim da civilização tiwanakus proporcionou o surgimento de sete reinos dos Aymaras, também ao redor do lago Titicaca.

Em 1438, segundo o mesmo autor, afirma que o altiplano boliviano fora integrado ao Império Inca, na região da cordilheira boliviana denominada de Colasuyio, os incas passaram a impor o Quechua como idioma oficial, assim permaneceu até à chegada dos colonizadores espanhóis. Em 1533 com o ataque e massacre por Francisco Pizarro, destruindo  a cultura indígena com a captura e assassinato do Sapa (imperador inca) Atahuallpa, na cidade de Cajamarca (atual Peru) com o argumento dos castelhanos de que o líder inca havia recusado a Bíblia cristã (Gumucio, 2016).

Posteriormente a isso os castelhanos colocaram o território boliviano no Vice-reino do Perú, e posteriormente no Vice-reino do Rio da Prata.

A partir de 1809 inicia-se a luta pela independência, tornando-se livre de Espanha em 1825 por força da liderança de Simon Bolivar, daí o nome de Bolívia em homenagem ao seu libertador, alguns anos mais tarde a Bolívia separa-se do Peru, inicialmente com uma área geográfica muito maior do que hoje tem, tendo vindo a perder território quer pela venda, quer por perda em disputas militares, tal como a zona costeira de Antofagasta, que perdeu para o Chile em 1879 na Guerra do Pacífico.

  Já no século XX perde o território do Acre para o Brasil, a região do Chaco para o Paraguai, tal como pode-se observar no mapa ao lado, para agravar a situação, as primeiras décadas foram de grande instabilidade política.

Em 1942, Victor Paz Estenssoro funda o MNR, um partido de cariz nacionalista de Centro-Esquerda (hoje de Centro-Direita), que em 1951 vence as eleições presidenciais, todavia o exercito não reconhece os resultados e anula as eleições, Estenssoro exila-se em Buenos Aires. Em 1952 Hernan Siles Suazo, inicia sangrentas lutas e põe em marcha a Revolução Boliviana, Paz Estenssoro regressa e sobe à presidência, avançando com reformas no regime político e na organização económica, todavia, em 1964 após a reeleição de Estenssoro, os militares tomam o poder e inicia-se o período Golpista que institui intermitentes Ditaduras militares, sempre apoiadas pelo governo dos Estados Unidos ao abrigo dos acordos da Operação Condor, até ao ano da plena democratização 1982. (Freire, 2008).

Geografia e população da Bolívia – Situado na cordilheira dos Andes na América do Sul,
tem no total atualmente sem saída para o mar, tem apenas acesso ao lago de Titicaca com 8300 km2 e a uma altitude de 3821m. De acordo com dados oficiais do INE, o país tem cerca de 11.216.000 hab, na maioria ameríndios, com uma pirâmide populacional jovem; os idiomas oficiais são o espanhol, quéchua e aymara, entre outros dialetos indígenas. 

Santa Cruz de la Sierra com 1.450.000 hab, é a cidade mais populosa, situada no Departamento de Santa Cruz, seguem-se El Alto com 850 mil e La Paz com 764 mil habitantes.


Governo e Organização Política – A Bolívia é uma República Presidencialista, democrática e pluralista, com sistema legislativo bicameral, com Câmara dos Deputados, e Senado, o país tem duas capitais, Sucre, que é a capital constitucional é a sede do Poder Judicial, La Paz é a sede dos Poderes Executivo, Legislativo e Eleitoral, sendo que neste país há o Supremo Tribunal Eleitoral e é entendido como um poder político, administrado pelo OEP Órgão Eleitoral Plurinacional.

A Bolívia faz fronteira com cinco países, a Sul como o Paraguai e a Argentina, a Norte e Leste com o Brasil, No Oeste com o Chile e a Noroeste com o Peru, divide-se em 9 Departamentos autonómicos, tal como no mapa  ao lado (informações sobre os Departamentos no anexo na página 22).

A Constituição Boliviana data de 2009 e emerge da ascensão e hegemonia de Evo Morales e do MAS, contribuindo para uma maior coesão nacional, integração das etnias ameríndias e permitindo a autonomia dos Departamentos, a nível executivo e legislativo, mas não judicial, as autonomias foram uma reivindicação dos departamentos do Leste, a fim de evitar o separatismo que se verificara em tempos (Freire, 2008).

Economia da Bolívia – A economia conseguiu recuperar do atraso crónico, que derivava da instabilidade política, dos golpes e dos conflitos armados que flagelaram a Bolívia com muitas mortes, pobreza e isolamento do país, a Estabilidade política. O país tem como principal atividade a extração mineira e as exportações, tanto de gás natural, como de estanho, prata, petróleo. A moeda é o Boliviano  Bs dividido em 100 centavos, 1,00 equivale a 8,45 Bs, O PIB é de 43 mil milhões de dólares em 2019, a Renda per Capita é de 8,172 dólares no mesmo ano, a inflação está controlada a 1,46% ao ano e a taxa de desemprego atinge os 4,4% da população ativa.

4 – A intermitência golpista e a democracia no fio da navalha

Não foi por acaso que Che Guevara morreu em 1967 na Bolívia, lutando contra o que considerava ser um sistema opressor, pois trata-se de um país com características sociopolíticas sui generis, em particular durante a Guerra Fria e o contexto sul-americano de ditaduras para conter o avanço esquerdista no continente.

Eduardo Galeano n seu livro ‘Mulheres’, fala de uma greve de fome ocorrida na Bolívia, por cinco mulheres contra a ditadura de Hugo Banzer Suárez (1971-1978) e que abrangeu muitas outras pessoas como o sacerdote Luís Espinal:

“– O inimigo principal, qual é? A ditadura militar? A burguesia boliviana? O imperialismo? Não, companheiros. Eu quero dizer só isso: nosso inimigo principal é o medo. Temos medo por dentro. Só isso disse Domitila na mina de estanho de Catavi e então veio para La Paz, a capital da Bolívia, com outras quatro mulheres e uma vintena de filhos. No Natal começaram a greve de fome. Ninguém acreditou nelas (…);

– Quer dizer que cinco mulheres vão derrubar a ditadura?

O sacerdote Luís Espinal é o primeiro a se somar. Num minuto já são mil e quinhentos os que passam fome na Bolívia inteira, de propósito. As cinco mulheres, acostumadas à fome desde que nasceram, chamam a água de frango ou peru, de costeleta o sal, e o riso alimenta-as. Multiplicam-se enquanto isso os grevistas de fome, três mil, dez mil, até que são incontáveis os bolivianos que deixam de comer e deixam de trabalhar e vinte e três dias depois do começo da greve de fome o povo rebela-se e invade as ruas e já não há como parar isso. Em 1978, as cinco mulheres derrubam a ditadura militar” (GALEANO, 1998).

Esta passagem do livro de Galeano ilustra a Bolívia no período dos golpes militares, houve um período de intervalo entre golpes, que foi a ditadura do General Hugo Banzer Suárez de 1971 a 1978, foi precisamente contra este governo que a Greve Geral foi iniciada, culminando num inicio de abertura política, mas que não tendo ido avante, acabou por degenerar em um golpe de Estado do General Asbun, com o pretexto de restaurar a democracia. Em 1978 realizaram-se as primeiras eleições livres a Presidência da República e o Parlamento.

Os resultados eleitorais do sufrágio não dão a maioria a nenhum dos candidatos, e pela constituição boliviana, não havendo segunda volta, o Presidente teria que ser eleito pela Camara dos Deputados, todavia, nenhum dos candidatos havia conseguido o número de votos necessário para ser eleito, gera-se um impasse político denominado de “Empantanamiento”, ou seja a situação política estava num atoleiro.


Hernán Siles Suazo da UDP obteve 35,98% dos votos válidos, Victor Paz Estenssoro do MNR obteve 35,89% dos votos, o ex-ditador Hubo Banzer Suárez da ADN com 14,88%, em quarto lugar, ficara Marcelo Quiroga Santa Cruz do PS-1 com 4,82% dos votos. Os dois primeiros candidatos tinham menos de 1% de diferença, era um empate técnico, e que não seria fácil de solucionar, dados os resultados eleitorais para o Parlamento, respetivamente Câmara dos Deputados e Senado na tabela abaixo:

Partido

Presidenciais

Deputados

Senadores

UDP - Unidade Democrática e Popular

35,98%

38

8

MNR - Movimento Nacionalista Revolucionário

35,89%

48

16

ADN - Ação Democrática Nacionalista

14,88%

19

3

PS-1 - Partido Socialista – 1

4,82%

5

-

APIN - Aliança Popular para a Integração Nacional

4,10%

5

-

MRTK - Movimento Revolucionário Tupak Katari

1,93%

1

-

PUB - Partido da União Boliviana

1,26%

1

-

VO - Vanguarda Operária

1,13%

-

-

5 – A Instabilidade Política do “Empantanamiento”

O impasse gerado nas eleições de 1979, somando-se à memória da fraude das eleições de 1978, geram uma tensão política, a democracia renasce fraca, o Parlamento não conseguia eleger nenhum dos dois candidatos, por escassos 4 votos, é então que o Senador beniano Guillermo Tineo da ADN propõe eleger-se o Presidente do Senado Walter Guevara Arze como Presidente interino por um ano. Estava encontrada uma solução para a situação que se agudizava. Mas o Empantanamiento, não termina com a posse de Walter Guevara do MNR, o governo nasce órfão nas palavras de Carlos D. Mesa no seu documentário televisivo, e explica a razão.

O facto é que nenhum dos partidos dá o respaldo necessário para o apoiar no parlamento quer para a formação do governo, tanto a UDP como o MNR recusaram-se, o governo fora todo constituído por independentes, mas isso não agrada aos militares.

Nos meses que se seguem, o deputado do PS-1 Marcelo Quiroga Santa Cruz, propõe fazer-se uma investigação parlamentar para averiguar crimes cometidos durante os sete anos do governo ditatorial do General Hugo Banzer.

Como era de esperar, a proposta de investigar e julgar Hugo Banzer, é considerado como um julgamento e uma ofensa às Forças Armadas, que utilizam esse acontecimento para ter argumento de por término ao processo democrático em curso.

Walter Guevara estava só, sem apoio parlamentar, que já pensava em destitui-lo constitucionalmente, e sem a aprovação dos militares, ainda assim recebe na Bolívia, Nono Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral da OEA em La Paz, em fins de outubro, dos quais consegue-se obter o reconhecimento da legitimidade da Bolívia perante o seu direito a reaver uma saída marítima para o Oceano Pacifico.

A Resolução nº 427 da Assembleia Geral da OEA, determina o acesso ad Bolívia ao Oceano Pacífico, uma conquista surpreendente, que todavia os partidos políticos e especialmente os militares não souberam tirar partido, por estarem embrenhados nos jogos de disputa pelo poder.

Ainda durante a Assembleia Geral, é iniciado o Golpe na madrugada de 1 de novembro de 1979, deixando cercados os delegados da OEA.

6 – O Golpe do “Día de los muertos” e a solução política

Na madrugada de1 de novembro de 1979, dia de Todos os Santos, o General Natusch Busch, derruba o governo de Walter Guevara Arze, que todavia recusa em ceder o poder passa a ser o Governo na Resistência, a Bolívia passa a ter dois presidentes, um de facto e outro de jure.

O golpe militar havia sido preparado meses antes, mas a nomeação de novos dirigentes militares nas Forças Armadas, faz precipitar o movimento subversivo, foi além de tudo, sangrento, na medida em que muitos militantes pró-democracia manifestaram-se contra o golpe e o General Garcia Meza não hesitou em disparar contra os manifestantes, segundo relata Carlos D. Mesa no documentário.

A Ruas repletas de tanques, os delegados da OEA sem poder sair, foi um dos momentos mais vergonhosos para a Bolívia. No entanto Natusch Busch não quis fechar o Parlamento nem proibir os partidos, quis criar uma situação sui generis de um governo militar com respaldo parlamentar para garantir a estabilidade necessária, segundo a sua declaração de intenções, o governo golpista é fomado, e conta com imenso militares, mas também membros do MNR e da UDP, apesar de oficialmente esses partidos não reconhecerem o golpe e recusarem qualquer apoio.  

Os membros da OEA, na sua maioria, condenam veementemente o golpe, o governo de Natusch Busch está morto à nascença, e a solução foi encontrar uma saída constitucional, a nova constituição proposta, não foi aceite, então surge a solução de nomear Lídia Gueiler a Presidente da Câmara de Deputados, para o período de um ano e com a missão de convocar novas eleições, que se esperam não haja outro empate.


 



Figura 4 - Gen. Natusch Busch discursando – Fonte Wikisource.org


7 – Os Golpes, o Narcotráfico e assassinato de Marcelo Santa Cruz

A constante golpista na Bolívia deixou um saldo de imensos mortos ao longo de toda a sua história, o período das ditaduras militares, apoiadas pelos EUA e pela Operação Condor, deixaram uma marca de atraso económico e social, mas também a criação de vícios de corrupção e de ligações ao narcotráfico em especial, acusações feitas anos mais tarde, ao General Garcia Meza, o mesmo militar que depôs Lídia Gueiler (sua parente afastada) e que uma vez mais visava impedir a redemocratização desejada pelo povo boliviano.

Nesse período surgiu o Movimento Cocalero, que acabou por reivindicar o sindicalismo campesino (Nunes, 2019), mas para além disso, houve um líder inquestionável de Esquerda e de grande carisma, Marcelo Quiroga Santa Cruz, escritor, cineasta, professor universitário e antigo ministro das Minas e Energia em 1969 e que nacionalizara as companhias petrolíferas estrangeiras, fundador do PS-1 e incansável opositor às ditaduras militares, condena veementemente o martírio do sacerdote Luís Espinal Camps, um padre jesuíta, nascido espanhol e naturalizado boliviano que fora brutalmente assassinado pelos militares em março de 1980.

Em julho de 1980, dá-se a invasão da COB e Marcelo Quiroga é ferido e sequestrado, torturado e morto pelos militares golpistas que derrubaram Lídia Gueiler, até aos dias de hoje os restos mortais do líder socialista não foram encontrados.

Abaixo as fotografias do Sacerdote e do Político oposicionista assassinados pelos militares afetos a Garcia Meza.





8 – A ascensão de Evo Morales e o Projeto do MAS

Demorou imenso tempo, até que a democracia plena chegasse à Bolívia mas não foi de imediato que a estabilidade surgiu, apenas em 2006 com a eleição de Evo Morales pelo MAS, dando-se início a um período de reformas políticas, económicas e sociais, que visam logo à partida eleger uma Assembleia Constituinte para elabora uma nova Carna Magna que permita vislumbrar uma organização politica estável e democrática ao mesmo tempo.

A eleição de Evo Morales, dá-se claramente num período em que já não existe a Guerra Fria, não está ativa a Operação Condor, os países vizinhos vivem em democracia, e isso permitiu a normalidade democrática também na Bolivia.

Com as reformas Evo Morales ganha imensa popularidade, altera a constituição para que possa ser reeleito para um terceiro mandato, o que consegue. Devido à sua política de promover reformas sociais sem afetar a economia de mercado, Evo dá aos Departamentos a autonomia desejada e necessária para a sua governabilidade, com a ideologia do nacionalismo indigenista aproxima os povos do governo e modifica a imagem que se tem da Bolívia.

No entanto, é um apoiante do Regime da Venezula, embora sem seguir de igual modo as suas medidas. O que se faz verificar pelo desenvolvimento económico boliviano o aumento do PIB, o controlo da inflação, e melhoria nas condições de vida.

9 – A Importância da Bolívia e Conclusão do Estudo

A Bolívia melhorou a sua imagem política como nação estável e democrática, tal como verificado nos capítulos anteriores, um dos seus objetivos na politica externa atual é manter e reforçar uma vez mais, o seu direito ao acesso ao Oceano Pacifico que terá de negociar com o Chile e para tal, necessita de apoios diplomáticos.

Não obstante, a sua política de vizinhança na América do Sul, foca-se na ALBA, na OEA, e também no seu pedido de adesão ao Mercosul, que ainda está em fase de negociações.

O que se pode aferir como conclusão é a importância da Constituição como elemento fundamental no processo de desenvolvimento político que se viveu na Bolívia, todavia, o que estava por trás, não era o bom ou o mau funcionamento da Constituição, das instituições políticas, mas dos interesses externos e internos que impediram décadas após décadas o processo democrático e ajustiça social.

Foi preciso terminar a guerra Fria com a Queda do Muro de Berlim par que a politica externa e o paradigma democrático e pluralista que se desenvolveu em toda a America Latina, impeçam novas aventuras golpistas.

Por outro lado, o Estudo revela, que a elaboração adquada da Constituição, ou mesmo a existência de um sistema parlamentarista, teriam impedido o “Empantanamiento” que se viveu, e que atrasou o processo de redemocratização até 1982. E da estabilidade até 2006.

BIBLIOGRAFIA

I – Livros e artigos consultados:

BARBIAN, Luciano (2008, 14 julho). A Ditadura de Segurança Nacional na América Latina e as especificidades do caso boliviano. “Vestígios do Passado” as História e suas fontes – IX Encontro Estadual de História, Rio Grande do Sul, UFRGS.

FREIRE, Eduardo Maganha (2008) Bolívia: Crise de coesão territorial no coração da América Latina, São Paulo, USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

GALEANO, Eduardo (1998), “Mulheres”, Porto Alegre RS Brasil, Editora  L&PM.

GUMUCIO, Mariano Batista (2016) Cartas para compreender la Historia de Bolívia, La Paz, Biblioteca del Bicentenario de Bolívia.

KLEIN, Herbert, S. (2003) The Concise History of Bolivia, Second edition, New York, Cambridge University Press.

NUNES, Lara Agra (2019) A América Latina e o Projeto Pós-Neoliberal: Um Estudo de Caso Boliviano, UFRN, Natal Brasil.

OEA, Asamblea General (1980) Actas y Documentos Volumen I – Textos certificados de las resoluciones. Washington DC, Secretaria General OEA.

PACHECO, Carlos (2012), "Avaliação das consequências da instabilidade política e económica na imagem externa de Portugal, Lisboa, FCSH-UNL.

2 - Outras fontes:

INE Instituto Nacional de Estadística (2018, maio) La Población en Bolivia llega a 11.216.000 Habitantes. https://www.ine.gob.bo/index.php/la-poblacion-en-bolivia-llega-a-11-216-000-habitantes/ acedido em 14-06-2021.


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Autor do blog: Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, é licenciado em Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Políticas Públicas e Desigualdades Sociais, frequentou o Mestrado de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Estagiou com reinserção social de ex-reclusos e o apoio a famílias em vulnerabilidade social. É Bloguer desde 2007, tem publicados oito livros de temas muito diversos, desde a Poesia até à Política.

As Políticas Neoliberais e o desemprego












Autor: Filipe de Freitas Leal - Janeiro 2021
Trabalho da Disciplina de Problemas Sociais e Problemáticas Sociológicas do Mestrado de Sociologia da FCSH - UNL. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da  Universidade Nova de Lisboa..

Introdução

Neste estudo, o que se pretende é focar na problemática sociológica do “Desemprego” na atualidade, tendo como causa ou origem as políticas públicas neoliberais e as reformas à legislação laboral que por todo o lado imperam, com o argumento de flexibilizar a economia, e tornar o mercado de trabalho mais fluido, tendo todavia, visíveis consequências da alteração que as relações de trabalho, quer sejam em regime contratual, quer seja em regime de trabalho autónomo, vieram trazer para a maioria dos trabalhadores, a dura realidade que é a incerteza, o desemprego de longa duração e a fragilidade das classes laborais face ao patronato.

O objetivo é também, a partir desta análise, compreender como ocorrem as reformas neoliberais, compreender o que influência esta opção da política económica, e a dimensão das consequências das reformas estruturais; como tal, embora estejamos a abordar o desemprego, que apesar de ser um facto social, o foco deste trabalho é a origem desse desemprego, a partir das políticas neoliberais que entendemos como a problemática sociológica, e é sobre essa problemática que iremos discutir neste trabalho.

Visto tratar-se de um trabalho feito através de pesquisa documental e bibliográfica com as limitações que apresenta à partida, optámos por utilizar uma análise da informação através da recolha e da combinação de dados estatísticos, tanto do INE como de e outros organismos, como recursos de informação de qualidade, que nos permite compreender a abrangência do fenómeno discutido neste trabalho.

 Optamos por iniciar com uma definição dos conceitos de “Desemprego” e de “Neoliberalismo” sendo este último um termo que tem sido usado como pejorativo pelos seus opositores; segue-se a segunda parte, que será a análise do problema social do desemprego e da problemática sociológica das reformas político-económicas denominadas aqui por neoliberalismo.

1.    PRIMEIRA PARTE

1.1. A Definição dos Conceitos e os Antecedentes Históricos

Antes de tudo, faz-se necessário referir que, já em Karl Marx, havia uma designação do desemprego a partir das estruturas capitalistas, que ele designava de um “Exército Industrial de Reserva”, ou seja, uma massa de desempregados disposta a conseguir um posto de trabalho por um valor mais baixo do que o do mercado. Este exército de desempregados não é uma falha do sistema em si, é antes um objetivo. Serve de recurso para baixar os salários e o valor do trabalho, permitindo assim um maior controlo social sobre os trabalhadores, é também este fenómeno que Marx nos revela, consideramo-lo atual, pelo que iremos estuda-lo no contexto socioeconómico da atualidade.

Pode-se referir que a e hegemonia neoliberal ocorre a partir dos meados dos anos 70 do século XX, como uma corrente que se opôs ao Welfare state vigente na Europa desenvolvida, em particular no Reino Unido, França, Alemanha Ocidental e países Escandinavos. Nessas economias mistas e influenciadas pelo keynesianismo, (as teorias de John Maynard Keynes). Para além disso, a pouco e pouco os Neoliberais iniciam reformas, inicialmente no Chile com Augusto Pinochet em 1978, mais tarde nos Estados Unidos da América, com Margaret Thatcher a partir de 1979 e com Ronald Reagan em 1980, o fenómeno neoliberal só chegaria a Portugal com Cavaco Silva a partir de 1985, mas aprofunda-se em 1987 com a primeira vitória absoluta do Partido Social-democrata e as reformas incentivadas pela CEE. Comunidade Económica Europeia. É também imperioso dizer que é a partir dos anos 90, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) é criada a partir da transformação do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) através de negociações que ocorreram de 1986 a 1993, tendo sido designadas por Uruguay Round, e que por sua vez, estes acordos estão relacionados com a Globalização a partir dos anos 90, época a partir da qual se verifica uma intensificação da importância de flexibilizar a força de trabalho, com políticas públicas, que visavam desmantelar o pleno emprego.

Já na América Latina, há uma relação intima das reformas económicas com o aumento do desemprego e da pobreza (Campos, 2017), tendo baseado o seu estudo na teoria sociológica na obra de Robert Castel, que afirma: “…a ameaça de fratura social ocasionada pelo processo de globalização e pelas políticas económicas neoliberais, através de uma “desmontagem” do sistema de proteções, desestabilização da sociedade salarial, que fora construída e solidificada no decorrer do século XX” (Castel, 2008), posto isto, pode dizer-se com alguma segurança, que embora as reformas na América Latina e Portugal, tenham ocorrido em épocas diferentes, por motivos diferentes, têm no entanto, bastantes semelhanças no que concerne ao objetivo da flexibilização do mercado de trabalho, com consequências no agravamento dos problemas sociais, em particular do desemprego.

1.1.2. Definição de Liberalismo

Segundo o Professor e Sociólogo Daniel Pereira Andrade (Andrade, 2019), as principais correntes teóricas da sociologia que se debruçaram sobre o tema do Capitalismo e Neoliberalismo, foram as teorias (Marxista, Weberiana, foucoultiana, neo-marxista, bourdieusiana), o termo “Neoliberalismo” surgiu nos anos 30 a partir da uma reunião de economistas que se opunham à intervenção do Estado na política económica, bem como ao planeamento centralizado, tando dos regimes de economia socialista, como nos países de economia mista, e sobretudo em oposição ao Keynesianismo.

Inicialmente o termo visava acima de tudo, defender o “Mercado Livre”, e entendiam que só com a plena liberdade dos agentes económicos é que a economia funcionaria em pleno, e poderia desenvolver o país, à semelhança do que no século XVIII defendera o filósofo e economista britânico Adam Smith no seu livro “A Riqueza das Nações” no qual lança as bases do “Liberalismo”, assim, o termo Neoliberalismo, foi amplamente adotado para a doutrina económica por vários economistas, que a partir de 1930 opunham-se à intervenção do Estado para colmatar a grande Depressão de 1929, no entanto, tal não impediu que o termo fosse usado pejorativamente pelos seus opositores, sobretudo a partir das políticas económicas de Augusto Pinochet no Chile em 1978 (Andrade, 2019), o termo passou a ser entendido como sinónimo de desregulamentação do Mercado, privatizações e o desmantelamento do Estado do Welfare State. Atitude que levou a que os defensores do neoliberalismo abandonassem o termo, de tal modo que nenhum político ou economista se autodenominam de Neoliberais hoje em dia, optam categoricamente por não se identificar com o termo, sem contudo desistir dos objetivos a que desde a década de 30 se propuseram, os quais, após os consulados de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, viram a expansão da doutrina Neoliberal expandir-se geograficamente para os demais países europeus, sendo o neoliberalismo a principal moldura ideológica e doutrinária da União Europeia a partir do Tratado de Maastrischt, segundo afirma Maria Clara Murteira(Murteira, 2011).

É a partir do ano 2000, que o termo volta a ser debatido para uma clarificação da sua definição nas Ciências Sociais, com o contributo de Pierre Bourdieu, Loïc Wacquant e David Harvey e com textos póstumos de Michel Foucoult, mas também com a contribuição de muitos outros cientista sociais.

No entanto, Taylor C. Boas e Jordan Gans-Morse, referem que os artigos dedicados ao neoliberalismo desde 1990 até 2004, não apresentaram nenhuma definição explicita do conceito teórico do termo (Boas & Morse, 2009), limitando-se a entender o termo de forma vaga, como reformas nas políticas económicas, além de modelos de desenvolvimento e ideologia.

Por fim, sendo necessário uma definição do Neoliberalismo para este estudo, utilizamos a interpretação do Professor de Ciências Sociais Bresser-Pereira, que utiliza a definição de Zygmunt Bauman, para definir o neoliberalismo, afirma que Bauman no seu livro “Modernidade Líquida” não utilizou o termo neoliberalismo, mas sim “Modernidade Liquida”, que todavia, não é inerente à modernidade mas sim ao ‘neoliberalismo que fora introduzido em todo o tecido social e valorativo da sociedade entre as décadas de 1970 e 2000, (Bresser-Pereira, 2014), ainda o mesmo autor, afirma que Bauman define o caráter fluido da sociedade por termos como “desregulação, liberalização, ‘flexibilização’, que são ocorrências típicas da proposta neoliberal”; é esta definição do conceito do Neoliberalismo que passo a utilizar para o presente estudo, e que será corroborado, tal como dissemos com informação documental, sobre as reformas económicas ocorridas, sobretudo em  Portugal, e a partir da adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) já a partir de 1987, com o governo de maioria absoluta do Partido Social Democrata.

1.1.3. Definição de Desemprego

O desemprego à partida é um termo que não apresenta dificuldade de definição para a grande esmagadora maioria das pessoas, usado de forma genérica e com interpretações vagas sobre o desemprego. Faz-se imperioso deixar claro aqui a definição do conceito à luz das teorias sociológicas.

Nesse sentido, a definição mais genérica do desemprego é a associação à ausência de emprego. Contudo, será mais correto definir o desemprego como uma situação associada à ausência de emprego ou de trabalho regulado por uma relação contratual que institucionaliza o trabalho e emprego (Rodrigues, 1999).

Para além de uma definição de desemprego, não menos importante para o presente trabalho é indicar e descrever a tipologia das diferentes formas desemprego, que são as seguintes:

·       Desemprego Conjuntural (DC) também denominado de Desemprego cíclico, é o que resulta das situações de receção económica e consequente poder de compra, mas também de situações como as geradas por uma pandemia, como a que se verifica com a Covid-19 iniciada em 2020.

·       Desemprego Estrutural (DE), ocorre quando o número de desempregados superior à necessidade real do mercado de trabalho, o que faz com que haja um desequilíbrio na oferta e procura.

·       Desemprego Friccional (DF), é a situação de um desemprego de transição, em que se verifica a mudança de emprego.

·       Desemprego de Longa Duração (DLD), entende-se como a situação em que as pessoas em situação de desemprego estão inscritas no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) há 12 meses ou mais, tal como está escrito no Decreto-Lei n.º 72/2017.

·       Desemprego Tecnológico (DT), Este tipo de desemprego está relacionado com o desenvolvimento tecnológico como a informática e a robótica por exemplo, que ao substituir pessoas por máquinas e equipamentos, reduzem a necessidade de contratação de funcionários de serviços e de operários na indústria.

Dos diferentes tipos de desemprego acima referidos, é imperativo que foquemos principalmente o Desemprego Estrutural (DE), de Longa Duração (DLD) e o Conjuntural (DC).

2.    SEGUNDA PARTE

2.1. A Dimensão do Fenómeno do Neoliberalismo no Desemprego

O objetivo deste capítulo é desenvolver a discussão sobre o Neoliberalismo, e assim verificar em que medida as políticas neoliberais influenciam a situação do desemprego, nomeadamente os desempregados de Longa Duração (DLD), quer seja a partir de reformas estruturais da economia política, quer seja pela resposta a crises económicas, tal como a de 2008, que veio a provocar a  intervenção da Troika em Portugal, facto que ocorreu de 2011 a 2014, ou ainda pela necessidade de desregular e flexibilizar os mercados, nomeadamente o mercado de trabalho, através do que se denominou de modernização das leis laborais.

No entanto, e para ilustrar, cremos ser válido inserir aqui uma pequena referência ao pensamento do sociólogo estadunidense, Richard Sennett, através do seu livro “A Corrosão do Caráter” na qual analisa o capitalismo e a sua influencia nas relações de trabalho, afirma que “à medida que as hierarquias piramidais são substituídas por redes mais frouxas, as pessoas que mudam de emprego, experimentam muitas vezes, o que os sociólogos chamam de “mudanças laterais ambíguas”, onde as pessoas movem-se para o lado acreditando que estão a ascender na rede frouxa. Esse movimento de caranguejo ocorre, afirma o sociólogo Manuel Castells, que, mesmo que as rendas tornem-se mais polarizadas, as relações de trabalho tornam.se mais amorfas” (Sennett, 2009. Pp 100).

É de salientar que os sociólogos Luc Boltanski e Éve Chiapelo, tal como Sennett, denominam de “Capitalismo” o que nós neste trabalho denominamos de Neoliberalismo, será que estamos a falar da mesma coisa? Cremos que sim, visto que o que os sociólogos acima analisaram é o conceito que é assumido por políticos e economistas, ao contrário do que já atrás afirmamos, recusam o termo neoliberalismo, muito embora, a doutrina capitalista tenha na sua génese o liberalismo que representa o afastamento do Estado do planeamento e da regulação da economia, para ilustrar isto, os sociólogos Luc Boltanski e Éve Chiapelo (Boltanski & Chiapelo, 2009, pp 20-25) afirmam que desde a crise do Petróleo de 1973, que o capitalismo regenerou-se, fortalecendo-se, ainda que com avanços e recuos, mas com um período de vinte anos, com investimentos e índices de lucro elevados. Anos que foram favoráveis ao investimento privado, com retorno vantajoso ao contrário do que havia acontecido em períodos anteriores com a crise de 1929, e a partir do inicio dos anos 90 do século XX, os operadores financeiros obtiveram uma liberdade de ação que há muito não existia, investindo-se muito mais em aplicações financeiras como o mercado acionista, do que investir com risco na produção, quer seja na indústria, na agricultura e peruaria ou até mesmo comércio, é a partir daqui que volta a surgir a bolha especulativa, o fantasma de 1929, que mais tarde, já em 2007/2008 veio a gerar uma nova e grave crise financeira global, denominada de Bubprime Crisis, com a falência de vários bancos como o centenário Lehman Brothers nos EUA, precisamente no fatídico dia 15 de setembro de 2008, facto que serviu para propagar uma crise à escala global, tendo abalado o mundo financeiro na esmagadora maioria dos países. Paralelamente ao investimento financeiro, ocorreu também a aquisição e a fusão de multinacionais; ainda os mesmos autores afirmam que toda esta regeneração do capitalismo (que entendemos neoliberalismo) trouxe consequências sociais, nomeadamente no que toca ao desemprego, isto porque há uma clara separação da dimensão social e da dimensão económica. Só para ilustrar, os autores afirmam que o desemprego em França era de 3% em 1973, 6,5% em 1979 e 12% em 2008.

Na busca de melhor compreender o fenómeno sociológico do Neoliberalismo, ou talvez melhor dizendo, das Políticas de liberalização dos mercados económico, financeiro e laboral, e tendo em conta que o nosso intuito é compreender o fenómeno de forma inequívoca, surgem-nos duas questões que parecem-nos bastante relevantes:

1º - Tanto quanto possível identificar e saber quais foram as datas em que as reformas económicas ocorreram, em que intervalo de tempo, ou por outras palavras, verificar os diferentes momentos e quais foram concretamente as políticas públicas adotadas.

2º - Aferir pela análise documental, que obtivemos pela recolha de dados estatísticos, se se verifica substantivamente a correlação da influência do Neoliberalismo na situação de desemprego, tanto estrutural como de longa duração, comparando dados subsequentes as reformas políticas, através da comparação e análise das diferentes variáveis, permitindo-nos assim, compreender a dimensão da precariedade das relações laborais a partir de reformas legislativas e da influência sobre o mercado de trabalho.

3º - Entendemos ser útil, verificar os índices de desemprego, nos períodos onde, ao contrário de crise económica, ou de reformas de flexibilização dos mercados, tenha havido um maior investimento por parte do Estado nos apoios sociais, ainda que tímidos, o que permite-nos analisar de forma critica o impacto no desemprego verificado em épocas diferentes, tanto do Estado de Bem-estar social como das reformas neoliberais.

2.2. Os Períodos de Reformas “Neoliberais” em Portugal

Também em Portugal, fizeram-se sentir as reformas económicas, que inicialmente visavam corrigir os erros do período revolucionário iniciado em 1974 e terminado em 1976, data em que se iniciaram políticas de coesão económica, primeiramente com o I Governo Constitucional de Mário Soares do Partido Socialista (PS) que solicitara a adesão à CEE, acentuaram-se com os governos da Aliança Democrática (AD) de Francisco Sá Carneiro (1980) e Pinto Balsemão 1981 a 1983, com reformas de fundo na economia, com privatização das empresas estatais, (que haviam sido nacionalizadas no ‘Verão quente de 1975’) e para dar resposta à crise petrolífera de 1979-1980 surgida com a Revolução Iraniana; no governo do Bloco Central (PS-PSD),  de Mário Soares e Carlos Mota  Pinto de 1983 a 1985, com  intervenção do FMI (Almeida, 2011), que impôs profundas reformas económicas e o equilibro das contas públicas como condição sine qua non, para a recuperação da economia, mas também para a adesão de  Portugal ao Mercado Comum Europeu; As medidas do Bloco Central geraram muita contestação social.

Seguiram-se os governos do PSD liderados por Cavaco Silva de 1985 a 1995, um período inicial de forte crescimento económico e de estabilidade política, pela integração à CEE a 1 de janeiro de 1986, foram acentuadas as políticas de flexibilização da economia. Por fim seguiram-se as reformas de reestruturação financeira pelo período da Troika, com nova intervenção do FMI de 2011 a 2014 durante o governo de Pedro Passos Coelho (PSD-CDS), com a crise económica mais longa e mais severa de sempre em Portugal. Portanto, definimos quatro principais períodos de reformas de modernização, flexibilização e liberalização da economia, na maioria das vezes acompanhadas de crises económicas.

Delimitados que estão os períodos de reformas neoliberais em Portugal, que se seguiram à normalização da vida política em 1976, e que visavam corrigir os erros do Período Revolucionário em Curso (PREC), bem como aumentar a competitividade da economia portuguesa no mercado internacional, resta-nos verificar os índices de desemprego ocorridos nos períodos subsequentes.

Passemos a analisar os dados que obtivemos do Instituto Nacional de Estatísticas (INE); o que verificámos é que seguidamente a crises acompanhadas por reformas Neoliberais, quer de ordem financeira, económica e de legislação das relações de trabalho, que são em grande medida assimétricas, segue-se a recuperação da economia, mas mantém-se a crise do Estado Social, com consequências no mercado de trabalho e por extensão no empobrecimento dos desempregados. É importante referir que, o desemprego afeta de diferentes formas homens e mulheres, o sexo feminino é o que apresentou de 1970 a 2011 a mais baixa taxa de atividade, todavia, no que concerne ao desemprego é a que apresenta a maior taxa, ver no Gráfico 1 fruto de uma sociedade que demorou a perceber a importância de criar as reformas de igualdade de género, e abrir a sociedade, o mercado de trabalho e a economia às mulheres, algo que só seria iniciado após o 25 de Abril de 1974 com a criação da Comissão da Condição Feminina (CCF) com Marial de Lourdes Pintassilgo, na altura Ministra dos Assuntos Sociais.

No Gráfico 2, encontramos conjuntamente os dados do desemprego, do PIB, da inflação anual, o que nos permite ter uma visão mais ampla, com a crise e as reformas de 1983, o desemprego sobe de 7,6% naquele ano para os 8,2% em 1984, e vai manter-se na casa dos 8% até 1987, quando começam a surtir os efeitos do Boom económico com a ajuda financeira da CEE. Nota-se que, no entanto, voltam a subir desde 1993 com 5,5% até os 7,2% em 1996, já no governo de António Guterres a taxa volta a descer, até quase ao pleno emprego com 3,9% no ano 2000.  Voltando a subir ligeiramente a partir de 2001 já no governo de António Durão Barroso, para os 4% e mantém-se a subir gradativamente, o que indica que se trata de uma adaptação do mercado de trabalho à flexibilização, que continuou com o governo de José Sócrates, e manteve-se a subir, atingindo em 2007, o índice de 7,6%, mas é com a crise de 2011 e a intervenção da Troika, que dispara para uma taxa nunca antes vista, 16,2% a mais alta registada até hoje, consequência direta das reformas na função publica, da crise que gerou empobrecimento da população desempregada e consequente acentuada no consumo.

Posto isto, podemos aferir, que há uma relação entre as reformas económicas, a que os seus opositores denominam de “Neoliberalismo” e o desemprego, a que alguns sociólogos como Boltanski e Chiapelo (Boltanski & Chiapelo, 2009) denominam de uma degradação social, face à regeneração capitalista; ou ainda em bom rigor, ao que Richard Sennett  (Sennett, 2009) ilustra sobre a relação do moderno capitalismo e da fragilização das relações de trabalho, ou ainda da afirmação de Zygmunt Bauman (Bresser-Pereira, 2013) quando diz que a modernidade líquida é o paradigma da desregulação, liberalização, ‘flexibilização”. Todos estes autores, conseguem identificar pelas suas teorias, a separação nítida da dimensão económica da dimensão social como paradigma do moderno Capitalismo, também denominado de Neoliberalismo.

2.3.       Dificuldades do Presente Trabalho

Verificámos dificuldade na recolha das informações especificas sobre as reformas económicas, estruturais e laborais, que seriam demasiado grandes para recolher, tratar e analisar neste pequeno trabalho, e com alguma justiça referimos que são todavia importantes saber essas informações para aferir as consequências no tecido social, no entanto, alguns dados de desemprego ocorreram por crises económicas como a de 2008 e a de 2011, tendo sido posteriormente feitas alterações ao Código de Trabalho e ao Código Contributivo em fevereiro de 2009 no Governo de José Sócrates, sofreu alterações com a Troika em 2013 e voltou a ter alterações que entraram em vigor a 1 de outubro de 2019, sendo a 18ª alteração ao Código do Trabalho desde que foi criado.

No entanto, as reformas não se fizeram em uníssono pelo mundo fora, nem as crises afetaram de igual modo os diferentes países. O que não impede a análise documental, mas dificulta-a.

 

3.    ANEXOS

















4. BIBLIOGRAFIA e REFERÊNCIAS

Andrade, Daniel Pereira (2019) O que é o neoliberalismo? A renovação do debate nas ciências sociais. Revista Sociedade e Estado, Vol. 34 nº 1 de janeiro/abril de 2019, pp 211-239

Almeida, João Ramos (2011, 7 de abril) A crise económica que levou Portugal a provar pela primeira vez a receita do FMI. Consultado em 07-01-2021 em https://www.publico.pt/2011/04/07/jornal/a-crise-economica-que-levou-portugal-a-provar-pela-primeira-vez-a-receita-do-fmi-21786788

Boas, Taylor C.; Gans-Morse, Jordan. (2009) Neoliberalism: from new liberal philosophy to anti-liberal slogan. Studies in Comparative International Development, v. 44, n. 2, p. 137-161.

Boltanski, Luc; Chiapello, Ève (2009) O Novo Espírito do Capitalismo. São Paulo. Martins Fontes.

Bresser-Pereira, Luiz Carlos. (2014) Modernidade Neoliberal. Revista Brasileira de Ciências Sociais» Vol. 29 nº 84, fevereiro de 2014. Pp. 87-102.

Campos, Rosana Soares (2017), O impacto das reformas económicas neoliberais na América Latina: desemprego e pobreza, Polis (Revista Online), nº 47 de 2017. Acedido em 08/01/2021 em https://journals.openedition.org/polis/12585.

Castel, Robert (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Brasil: Editora Vozes.

Martins, Raquel (2014) Troika deixa Portugal com uma taxa de emprego ao nível dos anos 80. in Jornal Público – publicado a 3 de maio de 2014. Acedido em 08 de janeiro de 2021 em https://www.publico.pt/2014/05/03/economia/noticia/troika-deixa-portugal-uma-taxa-de-emprego-ao-nivel-dos-anos-80-1634447.

Murteira, Maria Clara (2011) As reformas das Pensões entre Pressões Políticas e Constrangimentos Financeiros. Comunicação apresentada na Conferência “Novas Vestes da União Europeia?”, 2º. Painel: A Harmonização Laboral e da Segurança Social, IDEFF, FDL, Lisboa, 4 de abril de 2011.

Quivy, Raymond e Campenhoudt, Luc Van (1998) Manual de Investigação em Ciências
Sociais, Oeiras, Celta Editora.

Rodrigues, Eduardo Victor et al (1999) A Pobreza e a exclusão social, teorias, conceitos e políticas sociais em Portugal. in Sociologia – Revista da Faculdade de Letras do Porto, pp. 63-101.

Sennett, Richard (2009) A Corrosão do Caráter- consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Editora Record, pp. 100.

Autor do blog: Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, é licenciado em Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Políticas Públicas e Desigualdades Sociais, frequentou o Mestrado de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Estagiou com reinserção social de ex-reclusos e o apoio a famílias em vulnerabilidade social. É Bloguer desde 2007, tem publicados oito livros de temas muito diversos, desde a Poesia até à Política.

 
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