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domingo, 24 de dezembro de 2017

VI - Quais os Principais Pensadores da Filosofia Política?


A lista de pensadores da ciência política, ultrapassa os que acima estão citados, citei apenas estes, devido a que entendo não ser o objetivo deste livro, abranger toda a Filosofia Política como um compêndio, mas, referir de forma concisa os
que considero serem os mais marcantes pensadores que contribuíram para a Ciência Política.
Assim, este capítulo aborda desde Platão e Aristóteles a Santo Agostinho e São Tomás de Aquino; desde os racionalistas e iluministas aos mais recentes, visando servir de orientação para a aprendizagem do tema e de indicação de leitura dos principais livros de cada pensador.
Na Grécia antiga, debruçaram-se no pensamento filosófico sobre política, entre outros, os filósofos clássicos como Platão e Aristóteles, sobretudo no que concerne aos sistemas de governo ideais para a época.
Platão (428-348 AEC), fora aluno de Sócrates; era filósofo, matemático e pedagogo, tendo fundado a Academia em Atenas, escreveu o seu mais emblemático livro sobre política, 'A República', livro que fundamenta o seu ideal de governo, idealizando a origem dos Regimes Sãos, que se degenerariam em Regimes Imperfeitos, mas que ciclicamente se recuperariam pela dinâmica da política.
Aristóteles (384-322 AEC), era aluno de Platão, além de filósofo Aristóteles foi também pedagogo pelo que foi precetor de Alexandre o Grande da Macedónia e fundou também o Liceu e a escola peripatética. Exerceu uma profunda influência para a filosofia política e teológica na Escolástica da Idade Média, via a política como uma “Ciência Maior”, é aliás de Aristóteles o conceito das três vocações do Ser Humano a vocação social, a vocação política e a vocação ética ou moral, visto que o Ser Humano é considerado por ele, como um Animal Político, escreveu A Política obra dedicada ao estudo da Pólis e a organização do Estado com o objetivo de surgir um Governo capaz de gerir o bem comum para todos; tal como Platão, afirmou que entre governos sãos e governos degenerados pelo desgaste, acaba por se desenvolver a tirania e posteriormente ressurge o governo bom.
Embora na Grécia antiga, já se discutisse sobre política, contudo, ganha forma pela Escolástica e o pensamento político implícito nas doutrinas de dois grandes pensadores, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, tendo em conta a importância da Igreja Católica numa sociedade praticamente teocrática, que visava dominar os destinos do Mundo.
Santo Agostinho (354-430 EC), nasceu em Hipona, foi um pensador e teólogo católico, influenciado pelo platonismo, não separava a doutrina política da teologia e nem da moral, pois para Agostinho, havia uma unidade intrínseca entre esses três níveis da doutrina, pensamento e práxis. Um dos seus mais famosos livros foi A Cidade de Deus no qual se debruçou sobre as relações entre a sociedade, o poder, a Igreja e o Estado (Lara 2007).
São Tomás de Aquino (1224-1274), nasceu em Nápoles, na altura a Itália ainda não era um país unificado, mas um retalho de reinos e repúblicas. Aquino foi um brilhante pensador da Escolástica, de tendência aristotélica, doutrina que difundiu enquanto professor em Paris e mais tarde em Nápoles, sua cidade natal, a sua obra mais influente foi sem dúvida a Suma Teológica, um livro de apologia teológica do catolicismo. O seu pensamento aristotélico era marcado pelo pessimismo antropológico e a ideia do Pecado Original, escreveu ainda “Comentários aos Tratados de Aristóteles”, onde Aquino defende a monarquia contra a república e define os deveres dos governantes cristãos. Morreu com 49 anos.
Nicolau Maquiavel (1469-1527), Pensador do Século XVI que fez surgir um novo conceito político, afirmando que todos os Estados ou são Monarquias ou Repúblicas, e lança assim o estudo dos Sistemas de Estado, sendo por isso considerado o primeiro pensador da política como ciência, sobretudo pelo cunho dos seus mais famosos livros, O Príncipe e outro livro A Arte da Guerra, título homónimo de uma obra de Sun Tzu; O primeiro é aliás um livro de análise política, obrigatório a todos os alunos universitários de Ciência Política, também é da sua autoria a frase de que “os meios justificam os fins”, tinha o interesse em que a Política utilizada de modo eficaz, pudesse unificar a Itália, então dividida em vários reinos e repúblicas e assim se formasse um governo laico e eficiente para gerir um Estado Forte baseado numa República em novos moldes.
Thomas Morus (1478-1535), inglês e católico foi Primeiro-ministro, e veio a ser mártir por ter sido preso e executado por ordem de Henrique VIII de Inglaterra, por recusar-se a renunciar ao catolicismo e por ter-se oposto ao rei no que se refere aos casamentos ilegítimos, ao Cisma Anglicano e à persecução contra os católicos romanos em Inglaterra.
Thomas Morus escreveu um dos mais célebres marcos da filosófica política A Utopia que é a sua obra-prima, livro que tem como subtítulo o “Tratado da melhor forma de governo” baseado numa ilha imaginária, onde reinasse um governo justo, o significado etimológico do termo “Utopia” é “em lugar nenhum”, nessa ilha não existia propriedade privada, a economia era planificada com a ausência de dinheiro e de metais preciosos, tinha uma divisão igualitária do trabalho, com a obrigatoriedade do exercício de uma atividade laboral, promovia-se a eliminação dos vícios, a criminalidade, a prostituição, os jogos de azar, as apostas e o recurso ao crédito pela usura. A família era o coração da sociedade da Utopia e a organização política baseava-se a partir de um senado eleito por um ano. Neste sentido podemos aferir que Thomas Morus foi um dos precursores do Socialismo, de uma corrente de pensamento que é considerada de Socialismo Utópico.
Jean Bodin (1530-1596), outro grande pensador do Século XVI foi o francês de origem judaica, formado em Direito foi professor na Universidade de Toulouse, e um dos grandes humanistas do renascimento; A sua maior obra foi sem dúvida Os Seis Livros da República precisamente por ter sido editado em seis volumes. Foi considerado um politólogo no sentido exato da palavra, debruçando-se sobre o funcionamento dos Regimes de Estado, as formas do exercício do poder e os atributos da soberania entre outras contribuições para a Ciência Política.
FRANCIS BACON (1561-1626), um grande humanista inglês nascido em Londres, formado em Direito, foi advogado e membro da câmara dos comuns, a sua principal obra são os Ensaios escritos em 58 volumes. Fora um crítico da escolástica e do aristotelismo, pelo que foi um precursor do empirismo científico.
THOMAS HOBBES (1588-1679), inglês, fugiu da República de Oliver Cromwell em Inglaterra, foi para França onde conheceu Descartes, pelo que se tornaram grandes amigos. Quanto ao seu pensamento, Hobbes era um pensador pessimista, para ele, a natureza humana é negativa e acreditava que a humanidade se dedicava a viver para as paixões.
Hobbes escreveu O Leviatã um dos seus mais importantes e influentes livros filosóficos e políticos, como pensador era da corrente Contratualista, e valorizava a paz e a concórdia em detrimento da Guerra, pois via na Guerra a origem de vários males sociais, defendia também um Estado laico acima da religião.
BARUCH ESPINOZA (1632-1677), nasceu em Amsterdão, era filho de judeus sefarditas que se refugiaram na Holanda por terem sido expulsos de Portugal pela inquisição no Reinado de D. Manuel I, tendo sido encaminhado por seu pai para uma Yeshiva (escola rabínica), acabara no entanto por vir a rejeitar os dogmas religiosos do judaísmo; a sua origem sefardita fez com que se debruçasse no estudo do seu povo e da realidade religiosa e política vivida então na Península Ibérica que em hebraico se chama Sefarad.
Da sua obra, destaca-se o livro Tratactus Theologico-Políticus, no seu pensamento político e filosófico destacam-se a defesa do Panteísmo, a distinção do conhecimento por níveis de pensamento, defende no campo da política a democracia e um Estado forte, a miscigenação dos povos dentro de uma nação, ou seja, defende os casamentos mistos e o combate à endogamia, que por sinal era o sistema de casamentos adotado pelas comunidades judaicas como forma de se manterem intactas.
Espinoza teria segundo alguns autores, recebido influência dos pensadores rosacrucianos, além disso, o conjunto das suas ideias levou a que fosse excomungado da comunidade judaica a que pertencia.
JOHN LOCKE (1632-1704), nasceu em Inglaterra na cidade de Wrington, recebera forte educação religiosa, de cariz protestante e da corrente do puritanismo, formou-se em medicina em Oxford, mas exerce a princípio a docência de grego e filosofia, só mais tarde envereda na medicina; devido a divergências de natureza política refugiou-se na Holanda; De regresso à Inglaterra, assumiu-se como um defensor do liberalismo económico e político. A sua principal obra é o Ensaio sobre o entendimento humano, é considerado o precursor do iluminismo e do empirismo britânicos.
MONTESQUIEU (1689-1755) Iluminista francês nasceu na localidade de La Brède perto da cidade de Bordéus, seu nome de batismo era Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu; Estudou Direito, dedicando-se aos assuntos políticos, escreveu O Espírito das Leisa sua principal obra-prima. É dele a conceção da Separação dos Três Estados, ou seja, dos três poderes políticos, Executivo, Legislativo e o Judiciário, tendo-se inspirado muito no pensamento de Locke.
VOLTAIRE (1694-1778), o seu nome verdadeiro era François-Marie Arouete, usava o pseudónimo de Voltaire nas suas obras, nasceu em França e viveu refugiado em Inglaterra, dos seus livros que mais importância tiveram para a Ciência Política, destaca-se Cartas Filosóficas, Voltaire acreditava numa ordem natural e universal, não acreditava ser possível a igualdade social, lutou contra a pena de morte e defendeu uma reforma social a favor da liberdade de expressão, mas também defendia o Despotismo iluminado.
JEAN-JACQUES ROSSEAU (1712-1778), nasceu em Genebra na Suíça, no seio de uma família pobre e tendo vivido grandes dificuldades na infância fez dele um idealista e um internacionalista no termo exato da palavra, foi apoiante da Independência dos Estados Unidos, defensor da Revolução Francesa e dos ideais democráticos, Rosseau tomava sempre o partido dos mais fracos, pelo que foi considerado um utópico; Da sua obra, destacam-se O Contrato Social que aborda a sociedade e a organização política; Rosseau morreu em extrema pobreza aos 66 anos em França.
DAVID HUME (1711-1776), pensador britânico nascido em Edimburgo na Escócia, trabalhou no comércio e foi bibliotecário e depois empregado na embaixada britânica em Paris, destaca-se o Tratado da Natureza Humana como o principal livro no conjunto da sua obra, no que concerne à Ciência Política. Hume entendia que o que movia a dinâmica social eram os impulsos egoístas e os impulsos altruístas.
EMMANUEL KANT (1724-1804) Filósofo prussiano, nasceu na cidade de Königsberg, recebera uma rígida educação luterana com vista a seguir a vida religiosa, foi docente, lecionou toda a vida na sua cidade natal, de onde aliás se diz nunca ter saído. A sua obra-prima filosófica é a Critica da Razão Prática que teve grande influência para o desenvolvimento da ciência política.
FRIEDRICH HEGEL (1770-1831) nascido na cidade de Estugarda, estudou teologia e filosofia no seminário protestante da sua cidade natal, mais tarde deu aulas particulares, posteriormente tornou-se professor universitário, da sua obra, sobressaem a Introdução à História da Filosofia e a Fenomenologia do Espírito como principais livros.
Hegel desenvolveu o conceito de Dialética, com a tese - antítese - síntese, como processos históricos de evolução, retrocesso, revolução e assim sucessivamente até chegar ao fim da História que acreditava ter sido com a Revolução Francesa.
KARL MARX (1818-1883), natural de Trier na Prússia, no seio de uma família judia da classe média, filho de um funcionário público que teve de forçosamente converter-se ao luteranismo e abnegar a fé judaica, para assim poder exercer a advocacia, era no entanto descendente de uma linhagem de Rabbis, tal como o seu avô Mordechai; Karl Marx estudou Direito e Filosofia, e exerceu o jornalismo como profissão, nomeadamente jornalismo de cariz político-ideológico, que o obrigou a exilar-se sucessivamente, na Bélgica, em França, na Holanda e por fim em Inglaterra onde veio a organizar a I Internacional, viveu em Londres com muitas dificuldades financeiras e problemas de saúde, morreu na pobreza, deixando uma vasta obra, destacados como principais e mais influentes livros O Capital, escrito em III Tomos e o Manifesto do Partido Comunistaem parceria com Engels.
Marx apoia-se nas ideias e na dialética de Hegel, para desenvolver a partir da sua análise sociológica, histórica e política, o Fim da História, que ocorreria através da revolução da classe proletária, culminando numa sociedade sem classes e por fim, a forçosa conclusão do processo dialético da História, supondo-se que a humanidade teria chegado ao mais alto nível de desenvolvimento económico, social e político.
AUGUSTE COMTE (1798-1857) foi um pensador francês, nascido em Montpellier, era secretário do filósofo socialista- utópico Henri de Saint-Simon com quem rompera, Comte procurava compreender as mudanças sociais, provocadas tanto pela Revolução Francesa, como pela Revolução Industrial, dedicando-se assim a criar uma nova ciência, desenvolveu a sua filosofia e escreveu o Curso de Filosofia Positivista, do seu pensamento destacam-se a lei dos Três Estados, a análise histórica da evolução social e a classificação das ciências.
John Dewey (1859-1952) Estadunidense, idealizador do pragmatismo iniciado por Whiliam James, Dewey escreveu entre outros livros, Liberdade e Cultura’, no qual defendeu a Cidadania Ativa, o seu pensamento influenciou enormemente a reforma do sistema educativo dos EUA.
MAX WEBER (1864-1920) nasceu em Herfurt, na Alemanha, morreu prematuramente aos 56 anos, embora fosse sociólogo, Max Weber escreveu sobre política e economia, deixou vários livros inacabados, dos seus livros mais marcantes destacam-se A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, uma análise histórica, sociológica e política do seu tempo. Em política terá escrito “Ciência e Política Duas Vocações”.
Martin Buber (1878-1965) nasceu na Áustria, era judeu e religioso, pelo que fugiu do Nazismo, fixando-se no Reino Unido, como sionista defendeu um Estado binacional para a Palestina, existencialista, escreveu o célebre Eu e Tu, onde defendia o diálogo entre pessoas, grupos, entidades e povos numa relação onde não há um vencedor, mas sim um diálogo onde ambas as partes saiam a ganhar.
Hannah Arendt (1906-1975), alemã e judia, exilou-se nos EUA, tendo-se dedicado a estudar as relações de poder em particular o regime nazista de Hitler, tendo escrito entre outros o seu mais famoso livro: As Origens do Totalitarismo’ onde analisa a origem do nazismo na Alemanha e do stalinismo na União Soviética, outro livro é 'A Banalidade do Mal' escrito a partir de artigos para o semanário 'The New Yorker'  sobre o julgamento de Heichman em Jerusalém no ano de 1961.
Simone de Beauvoir (1908-1986) Grande escritora e pensadora francesa, da corrente existencialista, foi uma das idealizadoras do moderno feminismo, O segundo sexo, livro célebre que contribuiu sobremaneira para o movimento feminista dos anos 60 e 70 do Século XX.
Michel Foucault (1926-1984) nasceu em França, foi um pensador analítico, debruçou-se a estudar o marxismo e a fazer a análise crítica dos discursos do poder político pela Arqueologia do Conhecimento. Não se considerava um filósofo e não gostava da categorização das ideias.
Jacques Derrida (1930-2004) Francês, nascido na Argélia, era um pied-noir, tinha ascendência judaica de etnia sefardita, o que lhe deu uma consciência muito critica de si mesmo, criou o método chamado “Desconstrucionismo”, em suma, uma nova forma de reinterpretar os textos e as ideias, patente no seu livro Discursos e Fenómenos’. Foi considerado um dos mais marcantes pensadores do Século XX.


terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Alegoria da Caverna - Platão

Um dos mais belos trechos de literatura filosófica de Platão, algo apaixonante que não permite permanecermos os mesmos após a leitura das obras deste filósofo e das ideias do seu mestre Sócrates, desde a minha juventude este texto juntamente com a "Apologia de Sócrates" estão presentes de forma marcante no meu modo de ver o mundo.
Imaginemos um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali.
Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vem de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.
Imagine que um dos prisioneiros consiga se libertar e, aos poucos, vá se movendo e avance na direção do muro e o escale, enfrentando com dificuldade os obstáculos que encontre e saia da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais além todo o mundo e a natureza.
Caso ele decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, correrá, segundo Platão, sérios riscos – desde o simples ser ignorado até, caso consigam, ser agarrado e morto por eles, que o tomaram por louco e inventor de mentiras.
Cópia em mármore do busto de Platão Musei CapitoliniPlatão não buscava as verdadeiras essências na simplesmente Phýsis, como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a essência das coisas para além do mundo sensível. E o personagem da caverna, que acaso se liberte, como Sócrates correria o risco de ser morto por expressar seu pensamento e querer mostrar um mundo totalmente diferente. 
Transpondo para a nossa realidade, é como se você acreditasse, desde que nasceu, que o mundo é de determinado modo, e então vem alguém e diz que quase tudo aquilo é falso, é parcial, e tenta te mostrar novos conceitos, totalmente diferentes. Foi justamente por razões como essa que Sócrates foi Morto pelos cidadãos de Atenas, inspirando Platão à escrita da Alegoria da Caverna pela qual Platão nos convida a imaginar que as coisas se passassem, na existência humana, comparativamente à situação da caverna: ilusoriamente, com os homens acorrentados a falsas crenças, preconceitos, ideias enganosas e, por isso tudo, inertes em suas poucas possibilidades.
O diálogo de Sócrates e Glauco
Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.
Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Glauco – Estou vendo.
Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco – Sem dúvida.
Sócrates – Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco – É bem possível.
Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco – Sim, por Zeus!
Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco – Assim terá de ser.
Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco – Muito mais verdadeiras.
Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco – Com toda a certeza.
Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco – Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.
Glauco – Sem dúvida.
Sócrates – Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco – Necessariamente.
Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco – É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates – Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco – Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco – Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco – Por certo que sim.
Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco – Sem nenhuma dúvida.
Sócrates – Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e aluz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco – Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
(Platão, A República, v. II p. 105 a 109)

Interpretação da alegoria

O mito da caverna é uma alegoria que relata a prisão mental e cultural em que as pessoas e até os povos vivem, antes da obtenção do conhecimento filosófico, é uma forma de explicar a condição humana perante o mundo que o cerca, em que toma consciência ou vive alienado e submergido na ignorância, Platão sugere que se saia do senso comum para o conhecimento pleno, e a alegoria da caverna mostra que a vida só pode ser verdadeiramente vivida se tomarmos plena consciência da realidade, do mundo e de nós mesmo, e que o senso comum não nos leva a lugar nenhum pelo que é uma prisão do corpo, da mente e da alma humana, e essa libertação ocorre na busca de respostas, compreensão

Segundo Platão afirma que a realidade está no domínio das ideias (em grego diánoia e noésis), mas a maioria das pessoas vive na ignorância, no mundo das coisas sensíveis (em grego eikasia e pístis) e não tendo o conhecimento não têm a vida de forma plena.

Autor Filipe de Freitas Leal

Sobre o Autor

Filipe de Freitas Leal nasceu em Lisboa, em 1964, estudou Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Estagiou como Técnico de Intervenção Social numa Instituição vocacionada à reinserção social de ex-reclusos e apoio a famílias em vulnerabilidade social, é blogger desde 2007, de cariz humanista, também dedica-se a outros blogs de temas diversos.

 
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